“Para quem pensava que o comunismo tinha fenecido de vez, o encontro internacional de partidos comunistas e operários que decorreu no passado fim-de-semana em Lisboa pode ter sido uma surpresa. Ou mesmo um susto. Mas na verdade não foi uma coisa nem outra. Aquilo a que se assistiu foi a recriar das velhas encenações de gongórica solidariedade internacional a pretexto de combater o imperialismo, defender os povos explorados, reafirmar a validade da luta de classes e dar alento a milhares de crédulos. Isto porque os resquícios do comunismo assentam, hoje, não numa prática ( que, essa sim,desabou com os tempos) nem numa teoria ( que a esmagadora maioria dos seus seguidores desconhece profundamente), mas numa fé inabalável. Perdê-la, ou fazê-la vacilar nem que seja só por um momento, é fazer ruir todo um edifício construído à base de frases feitas, soluções utópicas e realidades pouco permeáveis a chavões pré-estabelecidos.
A confirmação do comunismo como base fértil para totalitarismos sangrentos e impiedosos não se coaduna com a repetição de discursos pueris sobre a classe operária ( que já é outra, bem diferente da que Marx ou Engels analisaram nos seus escritos) ou os povos pretensamente ansiosos de se livrarem do capitalismo.
A China, mantendo a capa comunista e o corelativo desrespeito pelos direitos humanos, entregou-se a um capitalismo selvagem que, se por uma lado lhe ampliou a riqueza e os horizontes ( os económicos mas também os da ambição de poder), por outro mantém sob uma quase escravatura milhões de asslariados mal pagos e tristemente servis. Ao Ocidente, no caso chinês, já não incomodam as bandeiras vermelhas ao vento nem a exibição marcial dos rituais comunistas. Não intimidam nem afastam. Pelo contrário, são uma cobertura alegremente folclórica para bem lucrativos negócios mundiais.
O que querem, pois, os resistentes comunistas da cimeira de Lisboa, mesmo os mais devotos ou honestos? Sobreviver, apenas isso. Manter galvanizadas as suas bases de apoio, nem que para isso tenham de mentir, como aliás sempre fizeram: o comunismo, enquanto sistema, deve deter um dos maiores índices de mentiras de toda a história universal. Ou parasitar os muitos podres que a sociedade, infelizmente, ainda lhes oferece: o subdesenvolvimento, a fome, a pobreza, as muitas guerras absurdas que o comércio, legal ou ilegal, de armas alegremente sustenta. Podem ser poucos, podem enganar-se mutuamente acerca da sua verdadeira representatividade ou força, mas isso pouco ou nada importa quando o que está em causa é a manutenção de um cenário que pretende iludir a decrepitude à base da fé. A fé nos “amanhãs que cantam” e na verdade não sabem cantar, a fé num “socialismo” que os seus antepassados políticos enterraram sob as cinzas de milhões de vítimas.
No comício final, o russo Guenadi Ziugannov disse que o planeta “está a ficar mais vermelho”. De raiva? Ou de Vergonha?”
Nuno Pacheco – Público (14-11-06)
Led