terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Cai neve


Ler só o que me apetece – reler livros de que gostei. Dou por mim às vezes a reler os manuais e selectas da escola primária e primeiros anos do liceu! Coisas ingénuas e fáceis – e saborosas. Inexplicável, o sabor, a comoção, ao recuperar na Internet essa coisa medíocre e infantil que é a Balada da Neve de Augusto Gil:


Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

(...)

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.

Meus olhos doridos da distância, do espaço rarefeito do nunca mais. Regressar ao começo, à mocidade e ao eterno que é só dela, reassumir as raízes do sentir. A melancolia indizível do fim na presença oblíqua do que e de quem já partiu. Nas portas fechadas, persianas corridas, nas ruas desertas. A ausência do que se foi. Não o vazio, mas o ter estado habitado. O halo do passado. É ai que tudo mora. Não o que se recorda mas aquele que se evoca. Não o que distrai, diverte ou entristece na superfície mas o que nos abre ao palácio encantado da comoção interior, a uma transcendência de nós, um puro estar suspenso... Noite escura e fria. Subitamente, uma voz longínqua, a transfiguração do mundo, uma virgindade de ser...Se eu cedesse?
Led

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