sábado, 6 de setembro de 2008

Das cerimónias militares

É inquietante rever excertos do congresso republicano. De McCains, Palins, Romneys, Huckabees, Giulianis... Um espectáculo deplorável que recicla o discurso sempre a empolar o militarismo nacionalista, a intolerância mascarada de ética cristã, o tom autoritário de lobo-mau, o reaccionarismo mental e a decadência intelectual. Pelo desafio subjacente à frase mais simples que se diga com a frieza de quem já viveu tudo e não guarda um sentimento de quem tenha vivido menos. O orgulho correligionário cheio de símbolos despóticos de força e segregação contra o elemento externo e contra a mutabilidade natural. O elemento externo, a Europa, a Rússia, a Venezuela, Chile e Uruguai, a rua muçulmana e o eixo do mal mas também os media, as celebridades de Hollywood e a comunidade “artística” de esquerda, o supremo tribunal, os desertores, os terroristas, os fracos, os pacifistas, ecologistas, cientistas, pro-choicer's, liberais e homossexuais, todos urdidos numa maquinação contra eles, os verdadeiros americanos, orgulhosamente sós, os conservadores, detentores da verdade única, brancos, decentes, hercúleos e redentores. Uma delegada dizia que sempre que se lembrava de Obama pensava nas suas “visões socialistas e marxistas” e continuava, emocionada, assegurando que Bush tinha sido um “excelente presidente”. Apesar da recessão, do desemprego e pobreza disseminada, das relações externas cortadas com inúmeros países, do conflito supérfluo, consumidor e sanguinolento no Iraque e do fracasso no Afeganistão e na captura de Bin Laden, do Katrina, do conflito nuclear eminente no médio-oriente, do Guantânamo, dos contínuos atropelos ao ambiente e desprezo por quem tem alertado para o abismo ecológico em que o mundo vai rapidamente mergulhando, apesar de todos os escândalos na administração e a impotência para fazerem face a um mundo globalizado e multicultural e multiproblemático. Ainda assim, a mesma ignorância de há 8 anos, a desconfiança e o medo a induzir a ofensiva, a mesma devoção cega, a mesma incapacidade de perceber a América no mundo actual e a história recente que o definiu. É impossível ficar alheio aos destinos de um país que também é o nosso porque a ele pertencemos em múltiplos aspectos. Não votamos, mas devíamos. A grande virtude da direita, afinal, é que forçou a uma melhoria na esquerda. Mas esperemos mesmo que tenha sido suficiente pois a direita não quis definitivamente aprender nada. E a cedência à ignorância sempre foi marcada por um augúrio de sangue e infortúnio.

Led

6 comentários:

Jp disse...

Agora imagina estar cá e presenciar isso mesmo... A sério, sempre que falo com alguém assim, só me dá vontade de chorar... E olha que há aqui muitos...

Unknown disse...

E já viste as últimas sondagens? Estão empatados! Efeito Sarah Palin: http://www.time.com/time/nation/article/0,8599,1840388,00.html

Tiago

P.S. Abraço!

Ledbetter disse...

Não chores, Soeiro. Vai-te embebedar.

Dr Pereira!
Bons olhos o vejam!:)
E segundo outras sondagens mais recentes o McCain já está mesmo à frente! As sondagens valem o que valem mas de facto já se esperava uma subida das preferências para os elefantes azuis e vermelhos depois do congresso, não? A América continua dividida como sempre mas julgo que no momento crucial vão acabar por dar a vitória ao Obama. Acho que nunca na história recente da América pós-Nixon os democratas tiveram tantos argumentos (económicos, principalmente) para regressarem ao poder. E não são os ciclos habituais de reviravolta por lá de 8 em 8 anos (esquecendo o período Reagan e Bush sénior de 12 anos)?

O McCain é a melhor imagem de uma conceição da América que já expirou há muito.
Acho que as coisas vão mudar. Mas acho que é mais fé do que razão...

E a controvérsia desta semana com a expressão “batom num porco” usada pelo Obama?
Olha lê aí na imprensa das “raposas”:

http://elections.foxnews.com/2008/09/10/obama-accuses-mccain-of-swift-boat-politics/

Mas gosto mais de como os brasileiros se referiram ao assunto:

http://www.estadao.com.br/internacional/not_int239442,0.htm



Abraço

Ledbetter disse...

Esta é que é a discrição completa para o último link :

www.estadao.com.br/internacional/not_int239442,0.htm

Unknown disse...

Pode ser que as coisas mudem. Eu espero que sim, mas há muitos americanos que se sentem ameaçados pelo exterior - em boa verdade este é um sentimento já tradicional num país muito isolacionista - e um indivíduo acossado tem preferência por discursos musculadinhos e figuras conservadoras. Na minha opinião, tudo o que possa ser visto como ameaças ou atitudes agressivas para com os EUA vão fazer pender a balança para os republicanos (coisas como as do Chavez, por exemplo).

Abraço,

Tiago

Ledbetter disse...

Hey Joe, where u goin’ with that gun...

Tiraste-me as palavras do teclado! Estava mesmo para escrever uma post sobre isso (e assim não tenho de o fazer e vocês só têm a lucrar), o exacerbar de ódios externos à América (dos populistas da Venezuela e Bolívia mas também os ares revanchistas que sopram do leste) só vai levar a um apertar das fileiras em torno dos valores nacionais e a um favorecimento dos republicanos no caminho à casa branca. Mas com a recente falência da Lehman Brothers e a perspectiva de colapso do AIG a economia voltou a estar na ordem do dia e aí o McCain está mesmo numa posição muito incómoda. Vai ser complicado dissociar-se da administração Bush e da maioria republicana no congresso que sempre endossaram a auto-regulamentação do mercado depois de terem tido a necessidade de assumir o controlo daquelas duas gigantes do crédito imobiliário. McCain, cujo conselheiro económico (um tal de Phil Gramm) recentemente acusou os americanos preocupados com as taxas de combustíveis de serem “uma nação de choramingas” e que logo em seguida se saiu com esta brilhante : "You've heard of mental depression; this is a mental recession". E não é que na auto-análise ele acertou mesmo na mouche?:)

Aí o Obama vai ter de se aproveitar bem da primavera Clinton nos seus discursos pungentes.Esperemos nós...

Grande abraço!

PS: como vão esses dentes?