sábado, 9 de maio de 2009

Das leituras recomendáveis – “desinquietações” da classe média lisboeta do século XIX

“(...) Sebastião não conhecia Basílio pessoalmente, mas sabia a crónica da sua mocidade. Não havia nela certamente, nem escândalo excepcional, nem romance pungente. Basílio tinha sido apenas um pândego e, como tal, passara metodicamente por todos os episódios clássicos da estroinice lisboeta: - partidas de monte até de madrugada com ricaços do Alentejo; uma tipóia despedaçada num sábado de touros; ceias repetidas com alguma velha Lola e uma antiga salada de lagosta; algumas pegas aplaudidas em Salvaterra ou na Alhandra; noitadas de Colares nas tabernas fadistas; muita guitarra; socos bem jogados à face atónita de um polícia; e uma profusão de gemas de ovos nas glórias do Entrudo. As únicas mulheres mesmo que apareciam na sua história, além das Lolas e das Carmens usuais, eram a PisteIli, uma dançarina alemã cujas pernas tinham uma musculatura de atleta, e a Condessinha de Alvim, uma doida, grande cavaleira, que se separara de seu marido depois de o ter chicotado, e que se vestia de homem para bater ela mesma em trem de praça do Rossio ao Dafundo. Mas isto bastava para que Sebastião o achasse um debochado, um perdido; ouvira que ele tinha ido para o Brasil para fugir aos credores; que enriquecera por acaso, numa especulação, no Paraguai; que mesmo na Baía, com a corda na garganta, nunca fora um trabalhador; e supunha que a posse da fortuna para ele, seria apenas um desenvolvimento dos vícios. E este homem agora vinha ver a Luisinha todos os dias, estava horas e horas, seguia-a ao Passeio...

Para quê?... Era claro, para a desinquietar!”

em “O Primo Basílio” (1878)

Led

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