domingo, 23 de abril de 2006

Catarse

Não há o como nem o porquê. Por vezes é uma certa melodia tocada num efémero momento que nos toca o âmago como se toda a nossa vida ali resumida e entendida. A demanda deixa então de ter sentido para dar lugar ao sentir do pulsar do momento. O vento gélido na face húmida deslumbrada, a canção espraiada no ar, um sorriso algures, a alma da noite pairando pelo firmamento... a acepção mais nítida de existência, o viver. É o desejo de humildade e de desabafo partilhado. Não é felicidade, não é alegria, não é fé, é humanismo no seu esplendor. É um apelo vindo do fundo do espaço e do tempo, um chamamento místico ao nosso mundo invisível, ao instinto da fraternidade de seres mortais para com a aflição de um destino inabalável e sofrido. Irmãos unidos numa tragédia comum . É um certo instante de silêncio, um “hallelujah” de ocasião, ou um timbre alegórico e profundo dos confins do tempo e da memória. Fulmina-nos o coração como um afecto cândido. No alvoroço confuso do quotidiano ocultas a verdade do “eu” num deserto longínquo, derradeiro do inacessível, fronteira do inimaginável. Percebo então porque choras por vezes sem saberes porquê, meu amigo. Percebo o teu desespero ansioso resignado. Talvez te constates do incrível de um instante cintilante na solidão de um universo frívolo e obscuro, segundos divinos extensos o bastante para conseguires recapitular e aceitar. A vida. Tão diferente e tão igual. Pureza invencível, mais forte que o medo, o suplício, e a inexorabilidade da morte e qualquer esconjuro maligno. No abandono absoluto consegues recordar e compreender. Uma presença viva, vivíssima, como a ferida de um ferro em brasa. Para lá do sangue e dos nervos e da carne cansada e doída, a súbita presença do intimidante espectro do teu "eu" próprio perante ti e o mundo. Não há o como nem o porquê. Uma sinfonia dispersa no ar, que te envolve e sobe alto, como um fumo, até à abóbada dos astros e aí se dissipa finalmente....num momento...
Led (ébrio)

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