terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Um país viciado

(...) Este tem sido, indiscutivelmente, o Governo que mais tentou reformar o que precisava de ser reformado, mexer nos famosos 'direitos adquiridos' das corporações que vegetam à custa do Estado e que são o factor primeiro para o nosso eterno subdesenvolvimento. Sócrates tem esse mérito, o mérito de o ter tentado, sozinho e contra todos. Mas, assim, não podia vencer e não venceu.

Vieira da Silva, talvez o melhor ministro deste Governo, conseguiu levar a cabo provavelmente a única reforma conseguida e essencial: a do financiamento da Segurança Social, que evitou que, num horizonte de não mais do que dez ou quinze anos, não houvesse dinheiro para pagar pensões a ninguém. Mas falhou na ténue revisão da legislação laboral, que os sindicatos e o PCP combateram por todas as formas. Agora, por exemplo, o Tribunal Constitucional veio declarar a inconstitucionalidade da norma que previa o alargamento do período experimental de 90 para 180 dias, antes da passagem de um trabalhador a efectivo. Orgulhosamente, o TC defendeu os princípios do "direito ao trabalho" e da "segurança laboral", tão caros à nossa patética Constituição. Magnífico! E saberão os excelentíssimos juízes quais serão as consequências disso, num momento em que, no mundo inteiro, as empresas despedem e fecham, porque a economia estagnou e não há trocas nem o dinheiro circula? As consequências é que haverá ainda menos empresas a admitir trabalhadores ou, as que o fizerem, findo o período de 90 dias, despedem-nos ou passam-nos a recibo verde - sem direito a Segurança Social, férias, pagamento de horas extraordinárias ou quaisquer outras regalias de que beneficiam os privilegiados que, como os juízes, têm emprego certo e garantido para toda a vida e salários pagos religiosamente no final de cada mês.

Oiço também Manuel Carvalho da Silva (que tenho por pessoa séria e preparada) anunciar um ano de luta dos "trabalhadores" em defesa do aumento de salários e pensões, porque, sem isso, diz ele, a crise não será ultrapassada. Ora, ele não ignora que, com isso, é que a crise explodirá, com mais e mais empresas a falirem e mais e mais trabalhadores e famílias lançadas para o desemprego. E quando se sabe que este ano, e em resultado da crise, não há inflação a comer salários - pelo contrário, o perigo é a deflação e o desemprego - a sua proposta só pode visar uma política de terra queimada. Não por acaso, em ano de eleições.

A política de reformas e a própria necessidade de cerrar fileiras para enfrentar os tempos difíceis que aí vêm encontram pela frente uma grandiosa e organizada resistência de vários interesses contraditórios confluentes: a cartilha leninista do PCP, seguida à letra pelos sindicatos que lhe prestam obediência, num quadro político que hoje é verdadeiramente terceiro-mundista; a resistência tenaz de todas e cada uma das corporações em aceitar abrir mão de privilégios imorais e insustentáveis para o país; a cumplicidade activa de um corpo judicial que ignora como funciona o país real e que protege das reformas tentadas todas as outras corporações, com receio de que finalmente chegue a sua vez; a atitude acrítica de muita imprensa que adora a rua e o conflito como fonte de notícia e a quem os sindicatos e as corporações servem prestimosamente variadíssimas photo-oportunities e motivos de primeira página; e, enfim, a absoluta falta de sentido de Estado das oposições e, em particular, do PSD, que não resistem à mentalidade de que quanto mais complicada for a vida do governo melhor é para eles. Todos partilham da crença suicida de que pior do que tudo é o país poder tornar-se governável e alterarem-se coisas que são um adquirido nacional: termos a saúde mais cara do mundo, o maior e mais inútil desperdício de dinheiros públicos numa Educação que não funciona, uma Justiça que se arrasta em autocontemplação incapaz de cumprir o essencial daquilo que justifica a sua existência, uma produtividade laboral que é sistematicamente das mais baixas da Europa e que parece querer assim justificar uma economia com lugar para salários indecentes e livres tropelias do capital.

Numa notável entrevista ao último número do "Sol", Eduardo Barroso explica de forma arrasadora como é que as reformas tentadas pelo ex-ministro da Saúde, Correia de Campos, eram essenciais para melhorar o serviço e conter gastos. E como é que elas foram derrotas "por pressão da rua e da imprensa". O mesmo destino terão grande parte das reformas tentadas por Maria de Lurdes Rodrigues na Educação. Não porque não tenha razão, mas precisamente porque a tem. Mas isso é o pior que pode acontecer a alguém em Portugal: ter razão contra os interesses instalados. “

Miguel Sousa Tavares, Expresso (05-01-09)

Led

5 comentários:

Joe disse...

Porra! Este MST às vezes manda cada uma! Então afinal o grave problema laboral que existe em Portugal é não haver um periodo experimental de 6 meses!!! 3 meses não chegam?! Não dá para ver se um tipo dá jeito lá na empresa em 3 meses? Isto de um tipo poder ser despedido ao fim de 5 ou 6 meses numa empresa porque o Benfica não foi à Champions é um bocadinho cruel. Sou pela flexibilidade na contratação e despedimento, mas difícil é despedir quem está lá há 6 anos, não quem está lá há 5 ou 6 meses. Não existirá um meio-termo entre a doutrina CGTP e a doutrina MST? Se o Estado não impõe regras básicas de decência, arriscamo-nos a degradar completamente o mercado de trabalho. A seguir acaba-se com o salário mínimo e mal damos por isso temos pessoal à porrada para dobrar camisolas na Zara por 80 euros/mês. Trata-se de explorar o desespero das pessoas, pura e simplesmente. E quem acha que o futuro da economia portuguesa passa por empresas que precisam de tipos a ganhar abaixo do salário mínimo ou que podem ser contratados e descontratados a qualquer hora, engana-se. Esse tipo de empresas não interessa nem ao menino Jesus. Há sempre uma fábrica no Vietname que faz mais barato. A flexibilidade deve assentar na possibilidade de, cumprindo regras mínimas de segurança e dignidade do trabalho, os empresários negociarem com os trabalhadores as horas, as tarefas, a formação, etc.
Bolas, já pareço do BE!

Abraço,
Tiago

Ledbetter disse...

Gosto mais deste texto do MST pelo que foca de resistência endémica a reformas do que por esse exemplo em si. Podia ter usado a educação e ter-se-ia saído melhor. Sim, acho que tens toda a razão (em relação ao patronato benfiquista, também). 90 dias é um tempo mais condigno com o direito do trabalhador. Acho que a norma do alargamento para meio-ano iria apenas beneficiar as más empresas e os empregadores abusadores, tornando mais fácil/barata a dispensa do trabalhador. Empresas que vivem de mão-de-obra barata e sem qualificação não devem interessar. Embora, a curto prazo fosse bom para as estatísticas do ministério do trabalho!;)

Não pareces o BE, pareces o presidente da república!;)

Grande abraço

Joe disse...

Sim, tens razão. Sempre achei que o verdadeiro portuga não vai nessa coisa de reformas, boas ou más!

Mudando de assunto. Cá vai um link que um amigo meu que trabalha todos os dias com alemães mandou:

http://www.youtube.com/watch?v=gmOTpIVxji8&eurl=http://professorinovador.net

Abraço,
Tiago

Ledbetter disse...

Mas olha que eu acho que os portugueses (mormente os taxistas) também têm dificuldade nos “th”...What do you sink?

Ledbetter disse...

Os taxistas e o Sócrates, claro...