quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Do histerismo

Uma trampa vergonhosa, esta perseguição a José Sócrates. E mais uma vez, tal como o houvera sido em 2005 e mais recentemente no caso dos processos relacionados com a suspeita de ilegalidade nas habitações projectadas pelo mesmo José Sócrates (ultimamente arquivados mas estranhamente esquecidos pelos mesmos que levantaram as suspeitas), o mesmo irremediável provincianismo e academismo de toda uma imprensa nacional sequiosa pelo mais pequeno indício de escândalo alheio. E a oposição secretamente regozijada no interior da sua carapaça de formalismo institucional, inebriada com a dádiva fortuita. E de imaginar que todas estas suposições tiveram a sua origem numa denúncia anónima (como é próprio de gente idónea e corajosa) enviada para o Ministério Público que associava o nome de Sócrates e de sua mãe no processo de um suposto licenciamento danoso do Freeport mas de uma forma descontextualizada com o resto do documento ... Sim, uma denúncia anónima, senhores astutos jornalistas! Esse é um pormenor importante, ou não interessa para vender uns minutos de exaltação e desconfiança? Uma carta enviada em 2005, num período de plena disputa eleitoral. E agora, convenientemente recuperada, novamente em ano de eleições, novamente quando não se entrevê uma oposição política credível capaz de vencer José Sócrates nas urnas, novamente a mesma fuga de informação, deliberadamente arrastada para amplificar o desgaste, selectiva e dirigida com o mesmo fim. Mas querem mesmo fazer de nós meros imbecis? Nem sequer a menor suspeita, hipótese, lampejo, fímbria de faísca de que tudo isto seja (também) uma campanha orquestrada? Mas é demasiada tanta parvalheira presuntiva. O exemplo de Ferro Rodrigues não fez esta gente repensar os perigos que advêm do manuseamento (ilegal) de fugas de informação e do deslumbramento com o poder gratuito que a imprensa ainda conserva neste país. Excesso de jornalistas para o país que consomem. Excesso de jornalistas para o jornalismo de sempre. Excesso de pensadores-analistas-comentadores-críticos-observadores para as mesmas conclusões enxutas afinadas no mesmo tom. Excesso de alarmismo e tremendismo para a alarmante e tremenda falta de substância. Esses gazeteiros inúteis e aduladores do justicialismo novelesco. Esses vitelinhos instrumentalizados que mal conseguem esconder o histerismo de um novo caso para preencher o vazio noticioso. Essa tecnocasta de papagaios excitados e encarrapitados nos poleiros da televisão e da imprensa escrita, muito sofisticados e muito preocupados, muito desafrontados e despachados, todos iguais entre si, traficando manchetes cínicas sem nunca se comprometerem absolutamente. Dispondo cuidadosamente os elementos da neblina de desconfiança na extensão que pretendem, para que o bovino espectador chegue ao desenlace que ambicionam. Teóricos sintéticos das presunções-supeitas-hipóteses-suposições-conjecturas. Teóricos do teatro e da novela sul-americana. Esses muito satisfeitos asnos besuntados de estrangeirismos e de lugares comuns, todos esses parasitas sem escrúpulos do mediatismo informativo e dos podres que a democracia participativa lhes oferece, a esburgarem os ossos de um país já sem ossos, e deliciadamente entretidos em repulsivas e garganteadas campanhas pela demolição do bom nome das pessoas. “Até quando é que pode lutar contra as manchetes, Sr. Primeiro-ministro?”, pergunta um néscio da Sic Notícias. “Já ponderou em demitir-se, Sr.Primeiro-ministro?”, pergunta outro autómato da TVI. Tudo isto num país em crise em ano de eleições e a carecer de seriedade e estabilidade…tanta bestialidade civilizada por metro quadrado. Então aqueles remelosos chorões e populistas da TVI…sempre a malharem impunemente. Tanta indecência revanchista. Santo país da coscuvilhice comadreira do maldizer, agora sem quaisquer vestígio de valores. Repito, sem quaisquer valores.

Uma fadiga imensa, os nervos em desalinho e uma zoeira de febre gripal no toutiço. Desligar a televisão, sair da internet, arrumar o jornal. Desanuviar…

Led

6 comentários:

DN disse...

analise praeter politica!
bom de ler.

temos o que somos..

de facto.

João Gaspar disse...

http://blogoexisto.blogspot.com/2009/01/eis-o-autor-da-carta-anonima.html


a ser verdade, eizio.

Ledbetter disse...

Sim, parece que sim, o próprio DN confirma essa hipótese da denúncia ter surgido da concelhia do CDS/PP de Alcochete. Só podia ser um autarca, dessa casta manhosa de politiquinhos ordinários e sem escrúpulos. A ser mesmo verdade...nem quero explorar os sentimentos de repúdio que nutro pela desfaçatez estadista da bancada parlamentar do CDS (que já sabia dessa informação seguramente). Mas todos (do CDS ao BE) aproveitaram para censurar enviesadamente o primeiro-ministro, não por causa do caso em questão, claro, mas porque não está presente na Assembleia da República, para andar em praça pública negando à Imprensa o seu envolvimento! Ohhh, que gente dedicada e altruísta! Quem ouvisse o Nuno Melo no corredor do poder ficaria certamente comovido com tamanha demonstração de abnegação às causas do país! A própria imprensa e todos os partidos da oposição entraram por esta argumentação venenosa. Onde é que esperariam que ele estivesse enquanto somos invadidos todos os minutos com notícias que o tornam como suspeito?? Seria era estranho que não se defendesse, num ano de eleições, ou noutro qualquer, perante a gravidade desta suspeição! Se ele não se pronunciasse publicamente sobre o assunto considerariam imediatamente que o seu silêncio era uma espécie de admissão de culpa, tal como o fizeram no caso das licenciaturas. Pelo menos os moralistas do BE clarificaram mais uma vez o seu oportunismo ao afirmarem que as questões ainda não estavam bem clarificadas, para melhor fazerem render o peixe do soundbite. Isto depois da entrevista de Cândida Almeida que tinha mostrado por a+b que Sócrates não era suspeito e que nem sequer estava a ser investigado.

Mas não, o problema deles é outro! Têm receio que o povo simpatize com a causa de Sócrates, por ser ver conspurcado por uma canalha incógnita, e acabe por lhes comer votos nas eleições. Sim, tudo de calculismo político e muito pouco de ética solidária. Por isso repetem até à exaustão que o primeiro ministro não deve fazer-se de vítima, cobardes imorais! Mas a poeira vai assentando e lentamente começamos a ter uma ideia da ideologia de filiação dos autores dos supostos casos ( desde a licenciatura forjada, da homossexualidade (abjecto), aos projectos na Guarda e agora a questão do Freeport) onde se tentou repetidamente envolver e conspurcar a honorabilidade de José Sócrates. Gente da direita, mas que há muito esqueceram os próprios valores basilares da direita. Mas assustador é verificar como uma fuga de informação é capaz de fazer tremer todo o nosso sistema democrático. Espero que se chegue até às últimas conclusões para apurar todos, todos os factos.

João Gaspar disse...

chapeau, matos.


uma vez também vi o corredor do poder, não conto a ninguém.

papoila disse...

Mas tens de concordar que a conferencia de imprensa ( ou comunicação , ou ...) do Sócrates foi triste...demasiada exposição, demasiada hesitação, não seria melhor escrever a "sua defesa" e enviar para os media? Ele que sempre e tão bem cultivou o distanciamento e a pouca especulação, rendeu-se muito facilmente!

Às vezes quase parece que o PS e o Sócrates não querem continuar....que o facto de serem penalizados nas legislativas não os incomodará! Receio de governar nos próximos tempos?

A mim o que me assusta é a perspectiva de uma Ferreira Leite associada a um PP...

Ledbetter disse...

Acho pelo contrário que Sócrates fez muito bem em aparecer pessoalmente e publicamente na televisão a tentar pôr água na fervura da voragem mediática que tomou conta de todos os órgãos de comunicação geral, mais entusiasmados com cenários hipotéticos de ingovernabilidade e anarquia antecipada (ou ainda pior, no caso de Ferreira Leite tomar o poder). Imagino ou nem quero imaginar o que se diria por aí se encarregasse alguém de o fazer por ele...Quanto à exposição, não me parece da sua inteira responsabilidade. Aliás, julgo que ele, acima de todos, daria tudo para evitar os danos políticos e pessoais criados pela poluição mediática ( semelhante à que arruinou a carreira de Ferro Rodrigues que vive agora exilado em Paris). Acho que ninguém lhe pode exigir que não tente inverter o ónus da prova criminal pelos mesmos meios (apesar de muito desequilibrados) com que foi acusado na praça pública de um grave crime de corrupção. A ele resta-lhe esse direito irrevogável, como a qualquer cidadão de direitos mais ainda acrescido pela responsabilidade das suas funções. Se estava nervoso ou hesitante, acho sinceramente que devemos ter a boa-fé de perceber que ele é humano e uma situação como esta ( repetida pela 4ª vez) não deixa ninguém impassível. Quanto à ideia que deixaste expressa de que o PS e Sócrates não querem continuar, não consigo compreender bem o raciocínio. Acho que se o acusas de se empenhar pessoalmente nesta situação para provar a inocência e depois de não se importar que seja penalizado nas legislativas (pela mesma razão, deduzo), não vejo que espaço de manobra lhe reservas para gerir a situação. Parece preso por ter cão e preso por não ter. De todos os órgão institucionais o que mais me surpreendeu (ou não) pela depreciação do caso foi mesmo do Presidente da República. Esperava-se um mínimo de solidariedade institucional, que falasse da gravidade das fugas de informação do MP ou pelo menos umas palavrinhas para serenar os ânimos num momento de franca crise da democracia. Mas parece que não. Prefere dar largas a um ressentimento saloio e tecer críticas ao governo (num momento de fragilidade deste) a propósito de uma lei que promulgou há meses e da qual perdeu legitimamente. Mas parece que não. Grave, grave foi a questão apocalíptica do estatuto dos açores naquela célebre e não menos surreal comunicação que fez ao país... Só pode ser um mau sintoma para os tempos que se avizinham quando um presidente que se deseja equitativo assume o papel que cabe ao maior partido da oposição.