quinta-feira, 28 de junho de 2007

Das máscaras

“Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste (...) Na realidade isto é como Pompeia, um vasto sepulcro: aqui se enterraram todos os nossos sonhos… Sob estas capas de vulgaridade há talvez sonho e dor que a ninharia e o hábito não deixam vir à superfície. Afigura-se-me que estes seres estão encerrados num invólucro de pedra: talvez queiram falar, talvez não possam falar.(...) Estamos enterrados em convenções até ao pescoço: usamos as mesmas palavras, fazemos os mesmos gestos. A poeira entranhada sufoca-nos. Pega-se. Adere. Há dias em que não distingo estes seres da minha própria alma; há dias em que através das máscaras vejo outras fisionomias, e, sob a impassibilidade, dor; há dias em que o céu e o inferno esperam e desesperam. Pressinto uma vida oculta, a questão é fazê-la vir à supuração.”

Raul Brandão – Húmus, 1917

Led

terça-feira, 26 de junho de 2007

À atenção do Público

O jornal Público ficou escandalizado com a queixa crime por difamação feita pelo cidadão José Sócrates ao blogger responsável pela divulgação de notícias e documentos respectivos à carreira académica do mesmo cidadão José Sócrates. Rapidamente se apressou a colocar uma setinha no sentido descendente na última página relativa à prestação de José Sócrates. O próprio José Manuel Fernandes, numa das suas brilhantes crónicas que recentemente nos tem brindado, vestiu a farda da compreensão palaciana e considerou que essa queixa só vinha a acicatar um processo já de si sobejamente negativo para a imagem do primeiro-ministro e do governo. Santa compaixão. Entretanto, e sem muito alarido, souberam-se notícias acerca de uns determinados pagamentos obscuros a Marques Mendes pela empresa proprietária da Universidade Atlântida, quando este era ainda ministro dos Assuntos Parlamentares no Governo liderado por Durão Barroso. O José Manuel Fernandes não quer saber. Depois vieram as notícias acerca de umas determinadas falsificações das contas do CDS-PP. O José Manuel Fernandes não acha valer a pena fazer manchetes com disparates como esses.

A imparcialidade da informação é um estrado, só dá direito a indignação se o governo ou o PS estiverem metidos na confusão.
Led

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Dançando no escuro da noite

Björk ft. Thom Yorke - I've Seen It All ( "Dancer in the Dark" OST)

Led

Pessoal e Intransmissível

De vez em quando, um medo incerto, um pânico sem razão, a presença de uma ameaça que não sabemos de onde vem. Toda a nossa vida é um rede de apoios, de suportes que nem imaginamos, que não sabemos que existem, mas que nos dão tranquilidade como a uma criança a família. As nossas ligações estendem-se assim para todo o lado, não estamos sós, num momento difícil basta darmos um sinal. Mas de vez em quando é como se subitamente nos víssemos num mundo deserto. Reduzidos a nós, o pavor assola-nos, mais espontâneo, porque é como se não houvesse ninguém para o testemunhar e nos faltasse a razão do pudor para o não mostrar-mos. O terror maior é esse – sermos só nós a nossa testemunha. A velhice deve ser isso. Estarmos sozinhos em face da dor e da morte para sempre intransmissível.
Led

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Noite quieta.

Noite quieta. Silêncio. Um cão ladra ao longe ao mistério da cúpula sideral. E ao alto, sempre, ressoando a legenda de horizontes, o murmúrio do vento. Senti-lo de novo na face, recriá-lo de novo. O que me transmigra à imaginação em imagens, ideias, farrapos, esboços de uma memória longínqua irreal que nunca aconteceu para ter um propósito de acontecimento. Um eco que se estende para o passado até onde já se não ouve nem vê, se confunde no silêncio e na neblina do sem fim da memória desta noite. O encantamento é isso - escutar e ver para lá do que se vê e escuta e pressentir o anúncio do enigma e da interrogação que emerge de uma comoção profunda irreal e indecifrável. O olhar deslumbrado das coisas. Se eu soubesse a palavra, a inaudível, a que para sempre longínqua, a que nem os sucedâneos de deuses, a derradeira, e pudesse depois ficar em silêncio para sempre...
Existo.

Led

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Análises técnicas puras não existem

"De uma confederação de capitalistas como a CIP esperar-se-ia que defendesse o capitalismo. Mas no momento em que esta entra no debate sobre o novo aeroporto, o que nos diz? Que os patronos de um estudo sobre o assunto são empresários anónimos "que não têm quaisquer interesses na localização do novo aeroporto". E a pergunta é: como raio os foram descobrir? Há empresários de referência em Portugal a quem a localização de um novo aeroporto é indiferente? E que, mesmo nesse caso, gastam dinheiro num estudo sobre o assunto? Fui de fim-de-semana pensando que os nossos empresários são, então, piores do que eu pensava.
Mas entretanto descobriu-se que a Lusoponte ajudou a pagar o estudo; faz sentido, porque seria uma das principais beneficiárias da localização a sul. E descobriu-se que o governo acompanhou o estudo desde o início; lá se foi a bela desculpa de que os empresários eram anónimos porque temiam represálias do Estado. O mundo entrou nos eixos, e uma nova semana começou. "
Rui Tavares, Público (18/06/07)

A razão é uma marafona, abre a perna a quem lhe paga.
Led

terça-feira, 19 de junho de 2007

Claustrofóbica oposição do claustrofobismo

Desde há uns tempos para cá se tem vindo instaurar na opinião pública a ideia de que a liberdade de expressão está sendo posta em causa por este governo ou ainda, como recentemente Rui Moreira se referiu na entrevista concedida à RR, de um clima generalizado de opressão e “claustrofobia democrática.” Os sindicatos gritam em greve pela direito indissolúvel à greve, o professor Fernando Charrua consegue captar a generalidade dos meios de comunicação social e até do Presidente da República ao queixar-se de falta de liberdade de expressão e da candura dos seus comentários jocosos (maneira aprazível de se referir às origens maternas do primeiro ministro) em relação ao patrão que lhe paga e lhe merece reverência. Na televisão, feirantes apanhados a vender contrafacções gritam contra a proibição da liberdade de vender falsificações. Todos os dias, a direita partidária apregoa que o intervencionismo do Estado asfixia a liberdade individual (até o PCP, vergo-me à ironia) e que a subida de sondagens para o PS e o seu líder é apenas sinónimo do célebre gosto cultural do português ignorante pelo autoritarismo. Os donos das universidades encerradas concluem que o vergonhoso desenlace só pode ser uma violação da liberdade de ensino. A recém instaurada e agressiva linha editorial do jornal Público (pelas mãos de um irreconhecível José Manuel Fernandes) todos os dias propagandeia a ideia de asfixia e condicionamento pelo estado na opinião pública.(Mas aqui estranhamente já ninguém pergunta se a falha do processo de aquisição da PT pela Sonae tem alguma coisa a ver com a súbita mudança de alinhamento ideológico do jornal). Lendo alguns comentadores mais entusiasmados pela escalada emocional generalizada, verifico que até já analogias ao que se passa na Venezuela e mesmo referências ao estado novo fazem parte deste novo dialecto oposicionista. Depois do governo ter cedido a um hiato com o objectivo de realizar mais estudos sobre o futuro aeroporto internacional, eis que, surpreendentemente, verifica-se o efeito oposto, a generalidade dos comentadores verga-se à tese de manipulação obscura do estudo realizado pelo CIP e todo um processo de debate que teoricamente deveria apaziguar a malta que aponta o dedo à obstinação autoritária do governo, rapidamente inquinado. Meus caros, tenhamos calma! Terem liberdade para exaustivamente se queixarem de falta de liberdade de expressão é exactamente um exemplo de quê?

Led

domingo, 17 de junho de 2007

An End Has A Start

I don't think that it's

Gonna rain again today

There's a devil at your side

But an angel on her way

Someone hit the light

'Cause there's more here to be seen

When you caught my eye

I saw everywhere I'd been

And wanna go to

You came on your own

That's how you'll leave

With hope in your hands

And air to breathe

I won't disappoint you

As you fall apart

Some things should be simple

Even an end has a start...

Riffs melosos e inspiradores de grandes espaços combinados com letras negras e pungentes. A celebração do triunfo estúpido da vida sobre a estupidez da morte. Gosto. Rock do efémero para embalar num argumento nocturno e a 200 à hora. Não é original, mas deixo para os catedráticos da opinião esse entretém. Eu gosto e recomendo vivamente.

Led

sábado, 16 de junho de 2007

Dos moralistas

Um moralista, em sentido lato, é um tipo de vistas curtas, puritano para os outros, manhoso para uso próprio, ou um tipo que escolhe a moral por complexo de inferioridade, já que o seu devaneio era a capacidade de transgredir como aqueles que critica e pelos quais se deixa perversamente fascinar. Não sou. Tenho a minha tolerância para o pecado alheio e não sou um inquisidor de fraquezas próprias. Mas sobretudo já não sei como é possível aplicar toda a retórica de menoridade moral nos dias que correm sem causar a indignação moralista dos anti-moralistas que no fundo idealizam ser moralistas para poderem dar largas à moralização alheia e serem elogiados dentro do seu bloco pela coerência do seu código moral, de bem com a sua consciência conservadora ou liberal, conforme o gosto moral vigente...
Há duas formas de se ser abominável. Uma é a da absoluta perfeição.
Led

Da auto-satisfação

“Conheço algumas mulheres assim, sem nenhum talento em particular, a não ser o de esgravatar com ambição.”

Margarida Rebelo Pinto, no Sol de hoje.


Tinha a certeza de me lembrar de uma determinada "escritora" assim...
E foi tudo o que reti desta valiosa e influente fonte de informação semanal.
Led

sexta-feira, 15 de junho de 2007

A must have!

...o novo álbum do dueto britânico UNKLE, de seu nome War Stories e com saída prevista para o dia 9 de Julho, apesar de ter sido largado na net no início deste mês...esses malandros!
Para não fugir à regra, este 3º álbum colecciona variadas colaborações vocais que vão desde Josh Homme dos Queens of the Stone Age, passando por Ian Astbury dos The Cult, 3D dos Massive Attack (responsável ainda pela pintura que serve de rosto ao álbum) ou ainda os Autolux por inteiro. Como a própria escolha de vocalistas pode sugerir, War Stories afasta-se da toada dos discos anteriores seguindo um trilho mais "rock" , sendo a maior parte da instrumentação gravada ao vivo.
Aqui vos deixo um cheirinho com o tema “Persons and Machinery”, com a colaboração especial dos igualmente especialíssimos Autolux.

Enjoy!

quarta-feira, 13 de junho de 2007

O Alive em avulso

Pearl Jam – Os 30 mil ansiosos, o Ed ,o vinho tinto e o diabólico George Bush, o Mike e as guitarradas sónicas, o Stone e o chapéu alternativo, o Jeff e o mítico contrabaixo, o Boom e as suas raízes lusas, o surf em Portugal em jeito de Big Wave, Portugal é que é bom e “que se foda a Madrid”, “see u next year”, alegria calma de existir, uma guitarra ondeia no espaço da minha emoção. É de lá. Não é de parte alguma. É só da eternidade de nós que é o instante em que a nossa vida se cumpre... Why Go Home?

Set: Interstellar Overdrive/Corduroy, Do The Evolution, World Wide Suicide, Animal, Small Town, Severed Hand, Even Flow, Big Wave, Daughter, State Of Love And Trust, Life Wasted, Alive, Given To Fly, Why Go?, Betterman, Crazy Mary, Rearviewmirror

Encore: Black, Rockin' In The Free World, Yellow Ledbetter

Best tracks: Corduroy, State of Love and Trust, Why Go?, Rearviewmirror, Black

Smashing Pumpkins – Os 20 mil e a nostalgia a pairar na chuva miudinha, Today é mesmo verdade!, o Billy sorumbático , o Chamberlin convulso na bateria , as formas femininas da sorridente Ginger , o chapéu militar e trendy da Lisa, Silverfuck eléctrico e como deve ser, Uma sombra que se apaga numa luz que se apaga... The beginning is the end is the beginning?

Set: Today, Stand Inside Your Love, Orchid, United States, Bullet…,1979, Home, Silverfuck/ The End (The Doors), 33, Rocket, To Sheila, Tonight…,Tarantula, Starz, Zero, Disarm, Untitled

Encore: Cherub Rock, Gossamer

Best Tracks: Today, Silverfuck/The End, Rocket (acoustic), Tarantula, Gossamer.

O mergulho no rock que importa foi feito aqui. O grunhido de conceitos ficou para os outros. Que se cozam.

E agora estou triste. Não sei. Estou. É aliás uma tristeza calma e tépida. Não se está lá mal. Vou mesmo na corrente...

Led

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Zeitgeist revelado


Ora aí estão 9 (mais um outtake) dos esperados 12 novos temas para o 7º álbum dos Smashing Pumpkins – Zeigeist (i.e. “Espírito do Tempo”) - com saída prevista para cerca daqui a um mês (10 de Julho).
O primeiro single de avanço – “Tarantula”- já anda a rodar pelas rádios norte-americanas e parece fazer a banda recolher ao rock mais duro e progressivo visível em certos temas do MCIS (Where Boys Fear to Tread ou Bodies) e Machina II (Cash Car Star e outras).
Sem quaisquer surpresas, dada a recusa de reconciliação por parte de James Iha e D’Arcy, o dueto original (Corgan e Chamberlin) decidiu contratar o guitarrista Jeff Schroeder ("The Lassie Foundation") e a lindíssima baixista e vocalista de apoio Ginger Reyes ("Ginger Sling"). Será portanto este o provável alinhamento de músicos (onde se adiciona a provisional teclista Lisa Harriton) que estará connosco no próximo fim de semana. Alguns dos temas foram graciosamente retirados do site Culture Bully:

A maioria das canções acima deverão estar apenas disponíveis aqui no máximo até segunda-feira da próxima semana por isso,..right click and save now!
Para já não consigo ter uma opinião formada do que ouvi, parece-me tudo ainda um pouco estranho e fraccionado. Mas o provável lado-b do Zeigeist, o espantoso jam de guitarra “Gossamer”, o delírio espacial "Bleeding the Orchid" e o prog. rock “Starz” parecem para já oferecer bons indicativos quanto à qualidade do novo som "pumpkiniano". O tom de voz incomparável do Billy continua lá e o poderoso ritmo vindo da bateria do Jimmy também...e isto por si só define Smashing e eu estou feliz!
Esperemos então para ver como se portam no sábado.
Ah, e este é o vídeo oficial de promoção à tourné mundial Zeitgest com fotos do concerto de Paris em 25 de Maio deste ano:


Led

terça-feira, 5 de junho de 2007

Pearl Jam - Love Reign

Imperdível no magazine Blitz deste mês uma das melhores entrevistas ao Eddie que li nos últimos anos, feita desta vez pelo jornalista dinamarquês que escreveu o livro sobre a tragédia ocorrida no festival Roskilde de 2000 durante uma actuação dos PJ . Assombroso verificar que passados 16 anos de relação apertada com esta banda e o seu líder natural continua-me tudo inexplicavelmente na mesma. A mesma admiração pelos seus princípios vitais, o mesmo arrepio na espinha a ouvir a pureza invencível da sua música, a mesma submissão natural. Tão inata entrega que por vezes preciso de me afastar para a entender. Há muito que deixou de ser uma banda para se tornar parte da minha elementaridade, agora o consigo admitir não sem algum embaraço...Mas uma presença viva, vivíssima, todos os dias. Sim, é possível que a música de uma banda se prolongue na pessoa que somos. Os milhares de fãs dedicados (e milhões de apreciadores) desta banda o podem comprovar. Mas quem diria que aquela cassete roufenha onde mal se percebiam a Oceans e a Wash iria conseguir mudar tudo. A vida é tão espantosa de mistério. Mas raramente temos tempo e capacidade de a saber.
"(...) nunca se sabe quando dobraremos essa esquina. É tão difícil lembrarmo-nos disso enquanto o estamos a viver... Como disse o Tom Waits: «Sabias que, estando no fundo de um poço, mesmo assim consegues ver as estrelas?». É muito difícil, e não podes contar com isso enquanto o vives, porque perdeste literalmente tudo e o teu coração está partido. O teu corpo e o teu espírito, as reacções químicas que acontecem dentro de ti – simplesmente não sabes como ultrapassá-lo, é como se fosse um testemunho de que, somente por viver, por passar cada dia, o chão que outrora foi a cinza do que um dia foi queimado, se transforma em solo fértil. Incrível, a vida é incrível.

(...) Depois de teres estado muito próximo da morte, ficas com uma espécie de luxúria pela vida – pura e simplesmente não queres desperdiçar nem mais um segundo. Por isso esta canção (Life Wasted) serve para relembrar."
Eddie Vedder

Como convite para o concerto de sexta, aqui vos deixo a versão orquestral de um tema dos The Who retirada directamente do último single de natal do clube de fãs:


Love Reign O'er Me (Ten Club Single 2006)
Demora um pouco a fazer download ("press stop followed by play and wait a few minutes, please!") mas vale bem o tempo de espera.
Enjoy!
Led

segunda-feira, 4 de junho de 2007

PJ-SP

Parece que o melhor festival de 2007 tem hora marcada às 23:40 dos dias 8 e 9.


Que me desculpem os fãs dos Beastie Boys ou dos The White Stripes ou ainda do Rui Veloso do Hip-Hop nacional (o atormentado patriotista Sam,The Kid) – o resto é trivial.

Led