sábado, 6 de janeiro de 2007

In Illo Tempore

Mas eis que vens de novo pela avenida fora, deve agora ser Verão. Estou sentado na murada de uma das divisórias do jardim em frente, tu vens no teu vestido vaporoso, sobes os patamares até ao portão de entrada. Mas qual memória fotográfica paralisada no sem-tempo, não te deixo agora subir. Não te movas. Todo o universo cabe no intangível de existires. Imóvel, um pé no degrau, vejo-te o modelado brando da perna sob o vestido, o pé subtil pousado adiante, o rosto doce breve, aberto na sua brandura que é demais para a brevidade do teu ser. Uma luz solar que te inunda, no vago de sonho que transborda de ti. Não te movas. Decerto não existes, não exististe nunca. Minha memória doente. Quanta coisa me regressa na distracção de um cigarro e se dissipa no fumo que nele vem. Mas só o que nunca existiu é que vale a pena existir. Sou eu que te faço existir na obsessão de uma incerta eternidade que é o que está certo para o excesso da minha. Tudo é pretexto para isto que o não é. E então não pode ser ilusão. É bom que a realidade nunca tenha existido. Porque só essa poderia ser ilusória. Toda a beleza tem um além de si. E esse além é que é. Recolhida. Leve. Doce. Uma fragilidade de graça num movimento alado. Mas não te movas. Até que os meus olhos se esgotem no olhar. E a cegueira seja a sua luz.
Led

Sem comentários: