Decerto, um filme nunca resultará numa emulação nem sequer próxima do entrelaçado da realidade desde o comportamento das sociedades até à impenetrabilidade da natureza humana. Mas como uma forma de arte por excelência deverá ser esse o seu intuito mais subliminar, ainda que para sempre limitado aos contornos de representação sintética ficcional. Não acompanho por isso esse argumento fugitivo de que se assim não o é, um filme não é viável de ser desconstruído pela crítica se esta pautar por uma comparação com a vida real . Eu penso que esse deverá ser mesmo o legado inevitável que o realizador nos quis deixar com a película. Não tem nada de mal em não inovar, talvez...Depende das perspectivas e das nossas exigências particulares. O sabor dele é o que lá está e o que lá pomos, é o real que é dele e o espírito que é nosso. Mas o pendor reflectivo do filme – mais rigorosamente um romance-ensaio- propunha-se a mais do que repetir ou instrumentalizar velhos cânones e considerações politico-sociológicas. Esta perspectiva torna-se relevante nos protagonistas que “constrói” pois eles tornam-se, muitas vezes, pretextos para o verdadeiro objectivo da obra: a discussão da ideia do absurdo e do ruído que asfixia as nossas vidas. Deste modo, inovar era impreterivelmente o que se esperava do filme e por isso é para mim um desapontamento que na minha óptica o não tenha conseguido. E o filme até é extremamente interessante na sua génese, mas porque raio de consenso divino é não devemos exigir mais? Cada vez acho mais que os filmes de topo e que se propõem a algo mais do que entreter – a isso se chama inovar- devem por isso ser julgados a outros níveis, sendo o foco de análise a comparação com a complexidade do homem e no que o rodeia. Esperava-se com certeza mais pois o conteúdo inelutavelmente oferecia muito por onde pegar. Não se olha e valoriza “Babel” como se o fizéssemos para “Um Polícia no Jardim Escola” ou “ O Dia da Independência”, discute-se e dá-se-lhe outra importância porque ele pretendeu elevar o nível de discussão para os problemas de uma sociedade globalizada, onde a razão já não tem nada para combater e nos deixa pendurados no vazio, sem uma ideologia que nos unifique. “Babel”, pretendia ser um filme importante e inovador a diferentes níveis e os globos de ouro atribuídos – mais do que chamarem a atenção para o fetiche inconfessável de um novo filme do Brad Pitt- assim evidenciaram a singularidade da película. Tentava ser inovador no estilo, num formato mosaico e circular e de tempo fracturado distendido ainda para pontos longínquos do globo, a intersecção de planos remotos que, ao invés de os separar, mais os ligam entre si; Arriscava ser inovador no objecto de análise – a falta angustiante de comunicação e o caos niilista-; Arriscava ser inovador no elenco arrojado, sem protagonistas primários óbvios e direcção intuita – pena que tenha achado as personagens quase totalmente referenciáveis e tipológicas ( excepção seja feita à mini-história de apartamento japonesa, a única que na minha opinião merecia mais destaque e aprofundamento) ; Arriscava comover os diferentes grupos e camadas da sociedade para a dimensão trágica e unificadora da acção – provavelmente até conseguiu mesmo cativar ampla parte do grande público. Mas haverá sempre duas maneiras de olhar as obras de arte, como há duas maneiras de as não olhar. Ou se olham pondo-nos de fora dela ou pondo-nos dentro delas. Só no segundo caso as vemos bem, porque só então nos vemos mal ou simplesmente nos perdemos a nós de vista. Foi assim que eu tentei ver o filme (e sempre), deixando que ele me envolvesse e me absorvesse de comoção. O filme pretendia ser reflexivo como também auto-reflectivo, interrogando-se (-nos) na busca de respostas para o destino da sociedade do século 21, da sua finitude e do absurdo que dela emana, mas também procurava um pathos e um lugar da transcendência de nós num mundo angustiante onde os antivalores imperam . Mas falhou no requisito primordial de uma película, não me atingiu e mobilizou, senti-me sempre de fora e à espera de qualquer coisa incerta e original que demovesse a minha objectividade. O filme era ambicioso e até serve o momento com a sua indiscutível piscadela de olho que faz ao “social”, mas não fica para a história. A arte superior começava aí. Quando a obra realizada viver por si e for incomparável. Não é para estas que servem as condecorações?
Led
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