domingo, 12 de agosto de 2007

Há 100 anos atrás nascia o criador de bichos, mundos e montanhas

Porque não sei mentir,
Não vos engano:
Nasci subversivo.
A começar por mim - meu principal motivo
De insatisfação.
Diante de qualquer adoração,
Ajuízo.
Não me sei conformar.
E saio, antes de entrar,
De cada paraíso.
"Letreiro" em Orfeu Rebelde (1958)

"Todos nós criamos o mundo à nossa medida. O mundo longo dos longevos e curto dos que partem prematuramente. O mundo simples dos simples e o complexo dos complicados. Criamo-lo na consciência, dando a cada acidente, facto ou comportamento a significação intelectual ou afectiva que a nossa mente ou a nossa sensibilidade consentem. E o certo é que há tantos mundos como criaturas. Luminosos uns, brumosos outros, todos singulares. O meu tinha de ser como é, uma torrente de emoções, volições, paixões e intelecções a correr desde a infância à velhice no chão duro de uma realidade proteica, convulsionada por guerras, catástrofes, tiranias, e abominações, e também rica de mil potencialidades, que ficará na História como paradigma do mais infausto e nefasto que a humanidade conheceu, a par do mais promissor. Mundo de contrastes, lírico e atormentado, de ascensões e quedas, onde a esperança, apesar de sucessivamente desiludida, deu sempre um ar da sua graça, e que não trocaria por nenhum outro, se tivesse de escolher."
Coimbra, Julho de 1984

Prefácio do autor à tradução francesa da obra "A Criação do Mundo", Vol I (1931)

Led

2 comentários:

Bárbara disse...

Ninguém se esqueceu dele!!

***

Ledbetter disse...

Torga foi, desde sempre, um dos escritores mais citados pelos políticos (mormente oriundos da ala socialista), não pela seu conhecida desafeição a agregados políticos (anarco-socialista, dizem os peritos da coisa), mas porque sempre se bateu pela liberdade e pelos destinos da pátria “até ao último alento”. Sempre foi um exemplo moral e por isso de fácil adesão para menções de folhetins politiqueiros . Mas era sobretudo um verdadeiro português no sentido mais literal do termo. Dos autênticos, feitos a escopro no fraguedo de Trás-os-Montes. Dos castiços. Mas o que mais impressiona é a franqueza de homem a homem com que ele se consubstancia com os destinos nacionais, do qual a comovente oposição em 1991 ao Tratado de Maastritcht é um dos melhores exemplos. Para quem na altura esperava que tivesse esmorecido com a doença, que tirassem daí o sentido. Censurado e preso pela reles ditadura com que teve de conviver amargamente durante os 41 anos da sua existência , desprezado e ostracizado pelo círculo cultural tendencialmente aparelhista e comunista que controlava tudo o que era de redacções de jornais e editoras após 25 de abril assim que se desembaraçou do neo-realismo e das suas referencias políticas, e lentamente esquecido pelo partido socialista ao qual se agregou pontualmente (muito à custa de figuras que vão de Mário Soares, passando por Manuel Alegre ou António Arnaut) – não admira portanto a ridícula omissão do ministério da cultura neste último tributo a um espantoso colosso da literatura portuguesa contemporânea. As citações dos políticos raramente trazem algo mais do que uma prova de ignorância mascarada na mnemónica. Mas felizmente ele sempre existiu apenas para os que amavam a sua poesia da terra e do mar. Sempre foi um solitário como muitas vezes o repetiu na sua poesia e nos seus diários. E por isso ele é um colosso demasiado alto para sair beliscado de mais uma prova de indiferença a que muitos sectores “espessos” da sociedade civil sempre o remeteram. A sua obra fica e com ela a sua verdade nativa para quem o quer ainda ouvir. E isso é o que realmente importa e não será nunca esquecido.

Bejinhos.