segunda-feira, 26 de novembro de 2007

“...e, de repente,

senti que, para além da identidade em que todos se diferenciavam uns dos outros, uma coisa estava acontecendo, acontecera naqueles dias, na acumulação de coisas que haviam desabado sobre mim: tudo desabava numa desordem sem fronteiras nítidas e passava a ter o valor que cada um lhe desse. Isto porém, era ainda um segredo de cada um.”

Jorge de Sena in "Sinais de Fogo" (1979)

Led

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Lost at sea

Sigur Rós -Sæglópur

Led

Tão pouco de tudo...

Não te queixes. Não os ofendas com a tua diferença. Os outros já tem tanto de quê. Não fales de coisas tristes. Os outros têm já tanto que chegue. Não fales em solidão. Todos os outros estão sós. Todos os outros já o sabem, mas não se lembram, não se querem lembrar. Como quando se ama todos os dias e se esquece o amor por habituação. Fala é da alegria destemida confiante, da força, da conquista, de tudo o que nos instaure em imortalidade. Não fales da guerra, da dor, do medo, da doença, da fadiga. Acaba com a estupidez de falares da estupidez da morte. Estamos fartos da cantilena macabra. Para o raio com o negrume que só começa a existir lá para o anoitecer, que é quando não se vê bem e portanto existe com mais força. Ilusões da tua certeza, as sombras semeiam-na da cegueira da noite. Vê-la lá fora? Para além da vidraça, ergue-se do vale com a sua razão categórica. Trémulo bruxulear da claridade que ainda resiste, na oscilação da incerteza se joga o teu destino, se joga o destino do mundo. Um pedaço de sol e mar ilumina e lava a noite mais sombria até aos confins da sua sombra, sabias? Por isso chega de incertezas por agora. A tua vida inteira... Breve fulge no lume pobre, na tua fadiga. É pois só o que te resta de companhia? E o sorriso em filigrana de estares vivo. Que é que realiza um homem para si? Não o que se conquistou, porque o que se ganhou ou perdeu tem o seu limite na morte, onde a vitória e o desastre se reconhecem irmãos. O que te faz ser o que foste é o nada que foi então e humilde se levanta das margens do teu ver e sentir, das margens de tu seres real. E toda a tua vida, toda a complexidade do que nela amealhaste, sobe de ti, dos anos tão cheios agora de coisa nenhuma, cabe inteira no esquecimento do teu olhar alheado. Pequena alegria de estar, imenso nada a preencher o ter vivido e haver um longo percurso ainda a percorrer, contigo aqui, resumo de tudo, indício breve da tua divindade, centelha final do incêndio que ainda fulge – memória de nada, memória de ti. Por isso vê-se estás...Cerra os olhos profundamente. E esquece tudo... Condensa-te agora numa qualquer imagem bonita que tenhas para aí guardada na algibeira. Deste sol da tarde que se derrama pelo escritório, embate na estante de livros, se instala nas tuas mãos. Do raio diáfano que atravessa o horizonte imensurável. De uma memória pacata. Da tepidez dos mares de Outono. Da minúcia doce de um fragmento da sua pele que se arrepia. De um céu infinito que se descobre. Ou de uma qualquer memória de vagas do mar. Tudo isso, apenas isso. Tão pouco. Tão pouco... Foi o nada que te sobrou da tua vida inteira. Por isso abre ao deslumbramento do mistério, da verdade oculta das coisas. Fica à margem e olha. Assiste ao insondável estúpido e sê estúpido com ele, sem uma palavra que o diga. Vives rodeado do mistério e jamais o dominarás. E isso não passa pelas palavras. Por isso vive-o. Respira-o. Como é que isso podia passar pelo exíguo obtuso circunscrito do dizer? Como é que o mistério pode estar num vocábulo? Porque dar um nome seria delimitar, tornar redutível, tentar pôr nas nossas mãos o que nos foge. E tudo é tão efémero e superficial hoje em dia...minha querida...devia talvez haver palavras. É tão necessário... Uma frase luminosa. O pontuado cintilante de estrelas no véu negro do céu. O sol vivo que arrasta consigo o rumor fresco do mar. O bálsamo do vento numa seara. O latir longínquo de um cão na extensão celeste da noite. O crepitar das folhas no parque ao teu passar. Uma toada acústica fresca . O...
Led

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Memória de sol

De uma das varandas em frente o meu prédio trepam plantas que já chegam ao terceiro andar. Bate-lhes o sol-poente, que reluz entre a folhagem tremente. E uma evocação campestre estremece no seu entreluzir. É uma memória tranquila das tardes longas, desafrontadas do calor suave, quando se respira fundo e em silêncio e se espera devagar que a noite vá começar. Tempo suspenso. Tempo de levantamento. Qualquer coisa que se nos erguia, nos embalava, nos expandia, nos fazia respirar o universo a haustos fundos. Tardes de luz, do rumor de águas nos ribeiros da lameira do Côa, de aromas que passam no vento vindos das profundezas da Malcata ao iniciar do Outono e dos rumores familiares das festas dos Santos. Tardes de sossego, de reconciliação com a vida, de olhos semicerrados à divagação erradia, tardes de pacificação, de benção que nos descia não sei donde e nos entrava na alma e aí alastrava como a sagração de uma vida...quantas esperanças e sonhos e vidas não ficaram aí...para sempre incessantes até à infinidade dos séculos.

Led