sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Percorrer até ao fim achar o mar


Olhar o mar ainda, fascinado pelo seu mistério, de que nasce o mistério? Tem a grandeza cósmica dos milénios, é absurdo no gratuito de ser e se agitar, tem o terror preso fascinante de um tigre numa jaula. Mundo de início e de fim como o desenrodilhar de uma onda. E sobrepõe ao seu mistério o mistério de uma tarde fria de claridade opaca. E tudo o que nele cresce vai do que em mim diminui...Estou sozinho em face dele. Num ponto incerto do tempo milenar cadente e do universo e da humanidade e da vida, na ilusão de a poder dominar. E da morte impossível e inexorável. Defronto-me só com ele, e assim a sua imensidão maior. A sós contigo. Confessionário altivo divino. Toda a história do mundo reduzida a mim e a ti nesta fria tarde de inverno. O sol declina um pouco, vejo-o pelas sombras que começam a alongar-se pelo areal deserto. Porque pensar? Recordar? Convocar o passado que nada aqui tem que fazer? A tua vida são os estritos limites em que tens de te mover, cada momento irredutível em que tens de existir. Mas a vida está tão cheia de enigma, de coisas novas. Olhar o infinito do horizonte, aspirar os perfumes salinos que percorrem a aragem marinha. Ouvir bem os sons que me rodeiam no ressoar das águas. Profundo e vasto na vastidão do entardecer. Recuperar a virgindade de ser para ser em toda a plenitude. Absorver intensamente a vida que ainda tiver a viver. Deitar fora todo o peso da vida e ceder um pouco... É bom recordar. Recuperar a vida desde onde ela pereceu. Prolongar o futuro na dissolução do passado que não existe e já houve . Rever-me na transcendência e no inverosímil de mim que agora permanece por uns instantes excessivos. Como tudo é esplêndido e pavoroso no intocável do lembrar. Uma luz coada na película espraiada em frente, um silêncio coalhado de frio. Perseguir o tempo e a vida até ao fim achar o mar. Espraia-se soturno ao invisível do mistério que me envolve...
Led

1 comentário:

Unknown disse...

o mar tem destas capacidades de contagiar com um misto de turbulência e serenidade.
seja o mar aquilo que for, sabes quando ele te abraça porque sentes a imensidão do tudo e a vertigem do nada.
fica a sensação de que, se te deixares embalar, podes prolongar esse momento em que te encontras e desencontras, num perpétuo reencaixar de memórias e aspirações. como momento paralelo ao teu corpo em que não existes, senão aí.
sabe bem navegar...