quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A Estrada


“a escrita totalmente cinematográfica de cormac, tanto nas descrições como nos diálogos, faz fazer um filme a partir de um livro seu aparentemente fácil. no country for old men foi um bom filme e a estrada também é. mas para quem leu os livros são uma espécie de ilustração -- nada está à altura.

no caso da estrada, 20 valores para viggo mortensen e para a cor e o ambiente e a forma como a acção se desenrola, em permanente perplexidade, resignação e tenacidade (sim, resignação e tenacidade, é possível -- chama-se estoicismo). mas a coisa que mais retenho é o facto de, à excepção de viggo, imediatamente identificável apesar da magreza, alguns actores estarem tão irreconhecíveis que levei minutos a ver robert duvall (na verdade, a suspeitar que era ele -- só tive a certeza no genérico) e guy pearce passou-me completamente ao lado. num mundo em que o que está em causa é conseguir manter alguma coisa de familiar, de comunidade (que é o mesmo que dizer de amor), é justo que tenhamos de fazer um esforço para reconhecer o que conhecemos. que corramos o risco de nos enganarmos completamente -- para um lado ou para outro. não muito diferente afinal esta estrada da nossa: tudo depende de sermos capazes de continuar a ser the good guys e de conseguirmos perceber quem o é. e sobreviver aos enganos.”

Aprovado e via Jugular

Led

4 comentários:

sergei disse...

fui ver no fds passado. gostei assim assim. o primeiro parágrafo parece-me que resume bem a coisa. no filme é tudo muito vago e a restrição temporal apressa muito as coisas. acho que não cria a sensação do livro. o facto de ter lido o livro há relativamente pouco tempo também ajudará a não apreciar muito o filme.

Ledbetter disse...

Mas também não gostaste muito do livro, certo? Considerações estéticas à parte, como sabes considero-o do melhor que li 2009.
Gostei do filme (fiquei com os olhos molhados no final, o que significa que funcionou, tal como o romance). Muito difícil passar Cormac para película.

sergei disse...

do livro gostei.

Ledbetter disse...

Ok. Mas lembro-me vagamente de teres comentado que a história era algo monocórdica e sem esperança. E que eu achava exactamente o contrário, um romance com um final conciliador, bem em oposição aos finais grotescos dos restantes livros do Cormac. Talvez por ser dedicado ao filho…

Quanto ao filme, a questão temporal é inultrapassável quando se empreendem transposições de romances para livros. Um filme é sempre uma obra em si e deve ser vista como tal. Mas de facto, a subjectividade e a lentidão são mesmo marcos distintivos do livro, a amarga antevisão do fim (que vamos adiando medrosamente) também. Posto isto, até nem acho que a questão temporal seja uma fragilidade do filme. Acho que as coisas se desenvolvem suavemente, resumindo com naturalidade pontos essenciais do romance. Mas o melhor no romance está mesmo na pintura verbal que Cormac faz (como sempre) da mente das personagens e achei que isso conseguiu passar bem para o filme. Tendo em conta a escassa descrição física e expressiva das personagens no livro, acho que o Viggo teve uma excelente prestação. Como sabes, este não é suposto ser o típico filme pós-apocalíptico grandiloquente tão em voga actualmente. Não é um filme sobre zombies, enfermidades, intempéries ou meteoritos. Sobre causas e motivos ou sobre qualquer coisa que possa distrair-nos do essencial. É um romance bem mais plausível (porque não é pomposo) porque assenta num história simples e verosímil. Também não é um filme deliberadamente gerador de uma mensagem compassiva colectiva, ao contrário do Blindness ou outro. Indirectamente apela a algo humanitário mas a história é bem exclusiva ao amor de um pai pelo seu filho. Tudo o resto é subordinado a este tema. E depois a importância imensa da cor…da fotografia, aqueles cinzentos desoladores e melancólicos.

Tudo junto, não fiquei nada desapontado e bem sabes como tinha altas expectativas.

Abraço