terça-feira, 17 de novembro de 2009

Raskólnikov

“Deus enlouquece primeiro aqueles que pretende destruir.” - Eurípides

Todo o homem acarreta em si a semente da loucura. Como um ardor danado germinando nos infinitos sulcos de uma lucidez volúvel e aparente de bonecas russas. Submersa numa densa nebulosa de confusão e pavor abstracto. Uma raiva surda imprecisa na sua ordem e magnitude. Latente no seu fundo intáctil a qualquer sensatez superficial, como um estranho dentro de si mesmo. A parte besta do homem ocupa, aliás, a maior extensão dele. Entorpecida nas relações quotidianas, despertando quando as circunstâncias a favorecem. E tão fácil foi sempre favorecê-la…Tão ténue essa distância infinitesimal que nos atiça o nosso alarme de desvario animal. Tão fácil para alguns transmutá-la em ódio fulminante. Infinito é assim o ódio em potência do homem mas as circunstâncias e os subterfúgios não são nada… Porque as razões não existem numa dimensão de loucura. Porque nunca houve pretextos habilitados e suficientes que dessem vazão ao ódio. Porque ao princípio sempre foi o ódio e não a razão de odiar. Ou ao princípio é a importância ególatra que o homem se dá a si e todos os pretextos convenientes para a impor sobre os outros.

O homem é um milagre precário, frágil miragem da representação que conserva de si mesmo. Ao mínimo deslize, ele recai nas quatro patas, que é o seu mais pesado destino de besta solitária. Criando ou tirando vida, comparando-se assim ao divino que engendrou para não estar sozinho. A loucura é assim acessível a todo o homem, é do destino de todos que partilham o absurdo de ser. Mas loucos são só os que não regressam dela.

O homem é um prodígio oculto e ilimitado. Para o bem e para o mal. Esse excesso de si a que alguns chamam Deus. Esse deus a que alguns chamam excesso.

Led

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