domingo, 18 de setembro de 2005

Fugaz

Noite escura sem estrelas.
Um vento forte abafado varre esta cidade centenária, espraiada entre duas colinas e um rio negro pelo meio...grita encolerizado pela escuridão fora... É tarde já, vão sendo horas – horas de quê? De nada. De existir. De ouvir o vento. De olhar ainda a luz, a vida. De absorver em mim o universo e levá-lo comigo sem nada desperdiçar. De exercer o ouvido enquanto ouve, os olhos, o corpo inteiro para que nada fique dele sem se cumprir. De encher os bolsos de tudo o que se me dá ou sonhar mesmo o que me não deram e não deixar perder nada por distracção. De pensar em ti e te fazer existir nestes instantes de puro oblívio. De dizer a palavra vida e tudo nela florir logo na sua existência para levar comigo essa vida inteira e tê-la comigo no sonho...na morte. Tão depressa tudo. Tão depressa nós. Tão depressa sós... Reinventar a vida onde a vida não está. Se tu viesses. Porque tudo está preparado para a tua vinda. Virás decerto numa aragem leve, fluida de ausência, a face triste. Ou talvez sorrias no teu alheamento como uma memória que passou. Trarás talvez no rosto o sinal de uma sagração com que os deuses te ungiram na eternidade. E haverá no ondeado do teu corpo o olhar com que te espero. Não tenho pressa, o que é grande e inimaginável leva milénios a acontecer. Eu estarei sentado aqui à tua espera porque é impossível que não venhas quando a Terra inteira se preparou para que passasses. Se tu viesses...Tu quem? Tu o quê? Verdade inútil que é minha. Instante fugaz de absoluto... efémero episódio de imortalidade. Vento esmagador lá fora. É tarde já. Adormecer...
Led

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