domingo, 21 de agosto de 2005

Os Incendiários dos Pirómanos


“A característica essencial da Piromania é a presença de múltiplos episódios de provocação deliberada e propositada de incêndios. Os indivíduos com este transtorno experimentam tensão ou excitação afectiva antes de provocarem um incêndio, existindo uma fascinação, interesse, curiosidade ou atracção pelo fogo e seus contextos situacionais (por ex., parafernália, usos, consequências). Estas pessoas são "espectadores" regulares de incêndios, podem accionar alarmes falsos e extraem prazer a partir de instituições, equipamentos e pessoal associados com incêndios. Experimentam prazer, satisfação ou libertação de tensão ao provocarem incêndios, testemunharem seus efeitos ou participarem de seu combate. O comportamento incendiário não ocorre, nestes indivíduos, visando a obter ganhos monetários, expressar uma ideologia sócio-política, encobrir uma actividade criminosa, expressar raiva ou vingança, melhorar as próprias condições de vida ou em resposta a um delírio ou uma alucinação, nem decorre de um prejuízo no julgamento (por ex., demência, atraso mental ou intoxicação com drogas).”

Este texto, transcrito de um conceituado site de psiquiatria (www.psiqweb.med.br), leva-me a introduzir uma questão que me parece tão óbvia quanto escamoteada:
Até que ponto o alarmismo, dramatização exacerbada e intensidade do espectáculo mediático sobre os fogos, sobretudo nas televisões, não serão em si mesmos factores estimuladores e de incitamento ao acto pirómano?

Embora o discurso corrente seja o da motivação por interesses económicos, a verdade é que os incendiários detectados se enquadram maioritariamente no contexto de alterações mentais e do comportamento acima descritos, embora seja óbvio que possa haver aproveitamento secundário dos seus impulsos.

Esses impulsos são, como vimos, desencadeados e/ou reforçados pelo prazer patológico sentido na observação das consequências do acto incendiário.

A sensação de poder, corroborada pelas profusamente mediatizadas consequências das suas acções, constitui, com toda a probabilidade, um motor fundamental para a actuação do pirómano.

Face ao aparato mediático em torno dos incêndios, sobretudo nas nossas televisões, cujo conteúdo informativo é em muito superado pelo espectáculo novelesco, hiper-dramatizado e mesmo sádico como é tratado, não tenho quanto a mim dúvidas de que o estímulo e a gratificação psicológica dos efectivos ou até potenciais pirómanos são altamente potenciados até em quem, de outra maneira, não se sentiria compelido a tal.

Desde pequeno que me lembro de verões secos e quentes, com fogos, e com certeza que sempre existiram pirómanos. No entanto, hoje em dia há mais incêndios, apesar dos meios de prevenção e combate serem muito superiores ao que eram há 20 ou 30 anos. Podem existir várias razões para esse acréscimo, mas verdadeira grande diferença que noto é que nessa altura não havia, nem de longe, a profusão de directos televisivos e radiofónicos, de entrevistas melodramáticas e sem qualquer interesse informativo mas apenas emocional, enfim, um verdadeiro espectáculo feito em cima da desgraça alheia apenas com o objectivo de ter mais tempo de antena.

Na verdade, o pirómano não tinha nessa altura a possibilidade “voyeurista” que agora se lhe oferece várias horas por dia de satisfazer uma das suas principais motivações: ver (e gravar) o “fruto da sua obra” documentado por imagens impressionantes da destruição das chamas, complementado por pungentes registos das reacções de vítimas, comentadores, políticos, governantes. Em termos psicológicos é aquilo a que se chama uma elevada recompensa positiva. O problema é que esta oferta de sensacionalismo, para além de ser mau jornalismo, é com certeza um verdadeiro acto incendiário dos instintos pirómanos.

Pode ser que no dia em que responsáveis e população em geral apontem certa comunicação social pela motivação de muitos incêndios, haja alguma mudança. Quanto mais não seja, para não perder audiências…. Pode ser que passem apenas a informar, o que não deve nunca estar em causa, em vez de excitar e publicitar.

Fernando Gomes da Costa (Médico Psiquiatra) (retirado de JN comentários)

Led

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8 comentários:

sergei disse...

Apesar da vertente piromaníaca desta temporada importanta também ter em conta outros factores que estarão muito tanto, ou mais ainda, relacionados com esta calamidade. Dá uma vista de olhos neste texto em: http://perigodeincendio.blogspot.com/
É apenas uma vertente deste problema mas importante.
Abraço

sergei disse...

Quanto à discussão Ota/não Ota, acho que vale a pena ler o artigo que saiu ontem no suplemento Carga & Transportes, do Público.

Ledbetter disse...

O texto em http://perigodeincendio.blogspot.com/está bastante interessante e claro o suficiente para que todos percebam mas continuo a achar que o sensacionalismo constante é um factor importante de risco. Obviamente que a piromania é só a ponta do Icebergue (de cinzas)mas acho estranho que apontem as razões económicas como a principal razão para o aumento exponencial de fogos nos últimos 5 anos. Temos hoje mais razões económicas que justifiquem o “boom” de incêndios do que tínhamos à 5-10 anos? Há mais interesse hoje em dia das madeireiras, agricultores e exploradores turísticos do que existia nessa altura? Porquê então? Devido à crise económica? Continuo sem encontrar uma conexão evidente entre as 2 circunstâncias. A verdade é que continuamos sem saber ao certo de quem é a responsabilidade deste surto recente e explosivo de focos de incêndio. A verdade é que é um conjunto de elementos e que nenhum deve ser descartado de responsabilidade. A realidade é que pânico difundido só gera mais pânico e vontade em fazer parte da trama dramática para os dois lados da barricada. Além disso, e como postado aqui neste blog, existe uma clara distinção entre informação jornalística e a exploração emocional alheia...uma clara distinção entre liberdade jornalística e anarquia irresponsável sem qualquer sentido cívico. Medidas perenes para mim:
- Limpeza e formação de acessos e albufeiras de emergência nas matas - se o proprietário se recusar o estado deve ter o direito de se apropriar do terreno e de fazer ele próprio essa limpeza. Este é apenas um slogan e é obvio que esta medida terá em conta o contexto económico desse proprietário e outras adoçamentos específicos deverão ser criados para estes casos.
- Formação de todos os profissionais de emergência;
- Aquisição de meios aéreos(ou outros considerados mais fundamentais);
- Agravamento acentuado do código penal para estes crimes;
- Vigília anual permanente;
- Estimulo à investigação florestal e anti-fogos(como já se faz com grande eficiência na Galiza).
- Contenção dos meios de comunicação.
Obrigado pela tua contribuição.

sergei disse...

Não tenho nada a apontar ao que escreste. Talvez a maior discordância seja quanto à enfase que colocamos em determinadas causas para os incêndios. Nunca será um factoer isolado a causar tamanha desgraça. Será sempre um, mix envolvendo piromaníacos, interesse económicos, desleixo na prevenção, etc, etc, associados à dificuldade reconhecida em encontrar os autores materiais e morais (nem sempre serão os mesmo) deste crime. Como dizia um amigo meu neste passado fim-de-semana, o incêndio criminoso talvez seja o crime que mais se aproxima da definição de crime-perfeito.
É tão simples...

sergei disse...

Era atá-los a um pinheiro e chegar-lhes o fogo.

Ledbetter disse...

Ahahah!Levá-los ao poste e atear-lhes os tomates!

Ledbetter disse...

Acrescento ainda mais uma medida "anti-fogos":a necessidade de ilegalizar a exploração económica de privados em mata ardida durante 10-20 anos após o incêndio ter deflagrado.Assim se faz nos países desenvolvidos...

sergei disse...

Creio que essa medida já existe, pelo menos no papel. Creio que são 10anos. No entanto, é-lhe feita tábua rasa. Ninguém liga a isso.