terça-feira, 25 de novembro de 2008

Desabafos, música e cenas

Tenho que confessar o meu profundo desalento. Após noites a fio passadas a gravar fragmentos de sons para o computador para finalizar duas canções, forçando-me mesmo a fixar passagens com teclado (e logo eu, um completo leigo) para acrescer às imensas camadas de guitarra e de baixo já gravadas anteriormente...Hoje deu-me o reviralho no juízo e acabei por apagar tudo por completa impotência por transmitir o que realmente desejava, inicialmente de conceição simples. Apesar da sensação de tempo perdido em coisas realmente úteis, um alívio imediato. Exausto mas resignado, ligo a televisão e vejo um mini-documentário sobre os Buraca Som Sistema e mais o seu wengue wengue desmiolado ou progressivo, como intitulam os entendidos da coisa. “Revolucionários”. “Extraordinários”. “Fundadores do novo som electrónico”. “Os novos embaixadores nacionais”. Mesmo vindo de críticos credíveis e dos cépticos que normalmente me dão confiança. Estou perplexo com as honrarias e o deslumbramento colectivo. Com doses da habitual condescendência quarto-mundista, por vezes. Ou de nacionalismo tacanho, noutras. Mas o sucesso é indiscutível. E agora estou para aqui a tentar perceber o que significa isto. A pensar que vivo realmente num mundo à parte porque já não consigo compreender como certas bandas ou artistas têm tanto sucesso. Onde findaram os juízos puramente estéticos do conteúdo e se começou a dar relevo apenas ao acessório e imediato? A música deve ouvir-se por si, na pura organização dos sons, na essência de si própria que é o ser música sem mais. Muitas vezes sem uma qualquer referência estilística. Mas em alguma parte dos juízos deve estar o mérito com o trabalho passado a construir as canções. Pouco interessa hoje em dia. O importante é o alarido e o hype cintilante. A música hoje é para o alvoroço da colectividade sempre em movimento, cada vez menos uma experiência solitária. Tudo a par com o fim do culto aos objectos sonoros. Compactado e de fácil acesso e digestão. Por outro lado, não ouço música alguma sem um enquadramento imaginário qualquer, o que deve ser um sinal de inferioridade para um ouvinte proscrito. Mas há sempre alguma coisa mais para que aponta, nem que seja o próprio encantamento em si em que a musica já se não ouve. A música é-me o transporte para o que não sei mas vou imaginando enquanto ouço. Mas tudo hoje é caótico e sintético e absurdo e o enlevo é visto como sinal de inferioridade. No canal 2 passa uma excelente série documental do JP Simões (“quilómetro zero”) sobre bandas amadoras nacionais ou que vivem na penumbra da ribalta. Tenho visto e ouvido coisas verdadeiramente geniais. Gente dedicada e engenhosa, mesmo com a falta de recursos. Não sei como esses artistas convivem com a sua genialidade oculta. A mim causa-me uma aflição imensa porque me revejo inevitavelmente nos sonhos de grande parte. Mas esses são músicos a sério. Eu não. Ainda assim, fico impressionado em como o deslumbramento está tão mal distribuído neste país (e em todos). Deverá ser difícil concluir seja o que for desta post (o habitual), até porque toco em pontos diferentes. Deixo essa interpretação para quem se der ao trabalho. Ouço BSS (podiam ser outros) e fico boquiaberto porque já não percebo. Sinal dos tempos. Dos meus. Estou noutro, irremediavelmente.

Mandar tudo à merda. A post. As canções. Os BSS. A música moderna e os progressistas. E os reaccionários. E recomeçar. Amanhã. Ou depois.


Led

15 comentários:

Zara disse...

Lindo, não sou menina para papar tudo o que me dão (neste momento, por exemplo, acho incompreensível o sucesso dos Pontos Negros), mas não consigo concordar contigo no que aos BSS diz respeito. Gostei mais do EP "From Buraka to the World" do que deste álbum "Black Diamond", mas não consigo negar que dentro do ambiente dance são diferentes e têm qualidade! Talvez tenhas apenas que mudar o ângulo de visão, o que eu compreendo que poderá não ser fácil.
beijos muitos e um AVE à Rua de Saragoça. ;)

Jp disse...

Pois... Isto quanto mais dá na MTV ou na Sic "sou buéda fixe, mas sem ser cromo tipo morangos" Radical, mais tem sucesso.
A música agora, mais do que nunca, é de modas, e modas vêem e passam, e são substituidas por outras. Já não se fazem bandas de culto, clássicos instantâneos (a não ser os clássicos que já existiam e que de vez em quando se dignam a iluminar-nos). A música que se faz hoje é como tudo o resto, descartável.
Uma música que ganhe duzentos prémios hoje para o ano já ninguém ouve. Música papel higiénico, para usar uma vez.

Vai ali ao armário, tira o Ten, o Dark Side of the Moon, o Sabath Bloody Sabath, o Master of Puppets, o In to the night, o que quiseres. Busca aí inspiração.
Quando não consegues ter novo oxigénio, respira o velho. Vais ver que te sabe melhor!

Mas já agora, como não podia deixar de ser, já ouviste o Death Magnetic? Que te parece?

nuno disse...

ah! o hype caralho!

João Gaspar disse...

soeiro, longe de querer desmerecer os méritos dos clássicos, a música de hoje não é nada toda uma merda. há é mais música, mais bandas, incomparavelmente mais massivos meios de divulgação, mais formatos, mais canais por onde aparecer, etc. logo, por imponderável estatístico, há muito mais merda nova. isto não tem que ser necessariamente mau per se, se for a forma de me fazer chegar coisas que de outro modo nunca conheceria. mas isso parece-me que é outra discussão.


o preocupante é que o mau tende a ter sucesso (whatever that means), não só junto das massas, como da crítica, em vez de ser uma massa crítica a fazer a devida filtragem.

enfim, o eterno elogio da mediocridade.

Ledbetter disse...

Meus caros...Como acontece muitas vezes, assim que deixo um raio de sol iluminar algumas das coisas que escrevo durante a ebriedade nocturna, todo o sentido se me perde por completo. Reconheço a palermice. No fundo, foi só um desabafo bilioso e impensado fruto de outras frustrações. Nem quis massacrar especificamente os BSS (foram um bode expiatório mesmo à mão e acabaram por levar por tabela), até porque só conheço 2 temas, e até lhes reconheço mérito na forma. Talvez menos no conteúdo porque definitivamente não é a minha onda. Mas acho que fui injusto com eles. Espero que eles me desculpem!:) Mas também tenho que dizer que me parece mais música de dança do que ambiente. Falta-lhe alguma textura e consistência para eu considerar ambiente. Mas enfim, o que sempre me fez alguma confusão foi os críticos apenas terem começado a adornar o grupo após a sua passagem por Glastonbury e Roskilde. Como se a sua passagem por estes festivais subitamente os elevasse à excepcionalidade. Pois por muitas camadas de “progressividade” e inovação que lhe ponham por cima, para mim aquilo continua a ser kuduro chapado. Não me parece que a electrónica desartificiosa altere a matriz essencial e os faça menos circunscritos ao género. Nada de errado em gostar, mas sejamos claros e não nos percamos do essencial. Tudo é progressivo hoje em dia, mas ninguém sabe bem o que significa. Por outro lado, acho que a actual procura obsessiva por coisas diferentes que chamem a atenção do grande público unicamente pela diferença acaba por resultar que muita coisa de qualidade (mas não extravagante) seja posta de lado. Daí a minha alusão (excessivamente pungente) às muitas bandas perdidas por esse país fora. Os Pontos Negros são mais um exemplo de alguma perplexidade minha perante o que considero banal, também acho. Finalmente acho que fui mal interpretado ou me expressei mal ao dar a ideia que hoje só se faz música de merda. Muito pelo contrário. De resto, e como já o disse por aqui várias vezes, partilho integralmente da opinião do Gaspar no que respeita à selectividade e filtragem dos novos sons. O que sempre me irritou foi algum consenso carneirista e a falta de crítica séria e logo eu que sou um céptico viciado. Mas até mesmo isso já foi muito pior. Para mim a questão mais ameaçadora para o futuro da música moderna é mesmo a crescente compactação dos ficheiros de música. Mais música para todos mas muito menos qualidade. Um dia hei de falar disso se me der ao trabalho.

Fani, prometo que irei ouvir BSS com mais atenção e ficar calado mais vezes.

Finalmente, Metallica, caro Soeiro...um bom disco, sim Sr! Mas tu estás mais bem preparado para falar dele do que eu. Já tinha francamente saudades dos solos e dos riffs e de tudo o que lhes deu fama. Aquele instrumental (Broken Beat...) está muito bom. O melhor período deles para mim encontra-se entre o Master of Puppets, And Justice..(o meu favorito) e o homónimo. Também são os únicos que conheço bem. Não digo que seja um completo regresso às origens, mas tem ali partes que fazem realmente lembrar os tempos áureos!

Abraços

PS..O hype é mesmo do caralho.

Jp disse...

Pois, realmente sois capaz de ter razão. O que me chega, do que é novo, para mim vale o mesmo que aquelas cousas castanhas que habitam a calçada portuguesa.
Claro que há bandas novas muito boas, a questão é que desconheço 95% delas, e desses 5% que conheço, não gosto da grande maioria. Um imbróglio, portantos...

Curto Mars Volta, Anger, QOTSA, Foo Fighters (os primeiros discos) para citar uns poucos... Tudo o resto me sabe ao mesmo, a cartão reciclado... Daí continuar a retirar força 99% das vezes dos clássicos...

nuno disse...

não é verdade que haja mais bandas hoje. hà tantas como em 1994. ou em 86. o que hà é um imediatismo mediàtico e um acesso a tudo o que mexe. qualquer caramelo, desde que não seja chinês ou iraniano, faz uma pàgina no myspace e infesta o mundo com a sua punkalhada neo-folki-friki-pòs-emo.
antes, gravava-se uma cassete e passava-se pelos amigos e reduzia-se a contaminação ao 9°A e ao 9°C, que os cromos do 9°B não curtem essas cenas e ouvem a RFM.
da renovação constante do myspace, passas para a necessidade de criar movimentos sucessivos que incentivem o consumo de produtos encalhados e pumba, tens o panorama musical a mudar de 6 em 6 meses.
continua a haver tanta merda mà como havia dantes. e continua a haver merda boa. e kuduro continua a ser kuduro.

tu, marco matos, é que jà não curtes o hype. jà não é o teu hype. foste deshypado.

Zara disse...

Concordo plenamente que os BSS não são música ambiente. São dance music e kuduro ponto final.
Deixo-vos com alguns blogs/sites que vos poderão ser úteis (para quem não conhecer) para irem em busca de coisas novas. algumas muito boas.
http://amplificasom.blogspot.com/
http://a-trompa.net/
http://www.bodyspace.net/
http://juramentosembandeira.blogspot.com/
http://www.blogotheque.net/
http://www.pitchforkmedia.com/page/home
http://www.thefader.com/
http://www.drownedinsound.com/

beijinhos

nuno disse...

bss são os broken social scene? curti o concerto deles, mas sem a feist aquilo não é a mesma merda.

dance music e kuduro e ponto final continuam a ser, por muito glastonbury que façam, dance music e kuduro e ponto final.

nuno disse...

eu vi o tom waits.

Zara disse...

aliás, viste os dois. o dos ricos e o dos pobres! deixaste portanto de ser meu amigo, nuno.

nuno disse...

não podes ter como amigos pessoas que não curtem kuduro e que vão a concertos de qualidade? é esquesito o teu conceito de amizade.

Ledbetter disse...

Os cromos do 9°B...
Nuno...és genial.

João Gaspar disse...

não obstante isso tudo, nuno, há mais música, há. há mais bandas do que havia em 1986. talvez as haja devido justamente ao apelo desse imediatismo mediático. mas há mais bandas, há. como há mais gajos a fazer filmes e mais gajos a escrever livros.

gosto do cohen.

e por motivos alheios à minha vontade vi os pontos negros. e acho que quem mete pontos negros e strokes na mesma frase devia ir passar férias em bombaim.


e agora acho que é importante dizer que eu era do 9ºD.

e este blogue não permite comentários anónimos.

Ledbetter disse...

Os tiques de autoritarismo do autor deste blog são deploráveis. Como muita coisa escrita neste blog, já que falamos disso.
Mas não custa nada o registo. Evita-se o spam e o chefe tirano fica satisfeito.