terça-feira, 8 de maio de 2007

Cidade Perdida II

E repito-me de certeza com mais um desabafo pesadíssimo e ridículo de melancolia que preciso de partilhar. De vez em quando é assim. Estes momentos bem definidos abrem-se-me na sensibilidade doente, são extremamente nítidos e inconfundíveis, mas não os sei evocar. Desta vez foi o momento de separação com a minha vida académica nesta cidade, da minha última queima como estudante quartanista, da festa vertiginosa de álcool e lágrimas e ingénua e infantil e de uma idade juvenil e para sempre saudosa. Porque o lembrei agora? Não sei bem. Talvez porque penso que me sentiria logrado na memória se pudesse voltar ao cortejo amanhã para constatar o que se perdeu impiedosamente na espiral do tempo. Queria ser coerente com a pintura emocionada que faço na memória sem a degradar com a força arrasadora da realidade ...Porque imaginar é que é bom, o resto, a redução ao contracto real, a expressão definitiva do que se imaginou é sempre decepcionante. De todo o modo, esse momento abriu-me intensamente à emotividade e gostaria agora de o fixar para de novo me existir na forma bem intensa e bem nítida com que me existiu. Mas quanta coisa nos não acode à memória emocionada e é talvez do que mais forte nos abala a vida em surpresa e fulgurância e não sabemos dizer. Há nessa despedida todo um mundo confuso que deixamos atrás, há a alegria que morreu, uma revoada de festa envolvendo esse instante, a incerteza e sedução do futuro, o encantamento de dois olhares que se fitam, uma abraço intenso de sinceridade, um céu alto de Primavera, há sobretudo a distância infinita donde agora celebramos tudo isso e uma música dolente que se imagina a prolongá-la ainda. Há isso e um encantamento triste de quem sorri e sofre no prazer desse sorriso. Cumprir o fado e resignar-me. E ser feliz aí...
Tarde de primavera no Pátio da Universidade, ó paisagem doce como a minha irrealidade. Nunca mais. Tudo é tão nós e o labirinto de uma absurda emoção. Uma voz sobe no horizonte, abre um eco pelo céu. Ouço-a, comovo-me. Adeus. Vais partir para os longes do Mondego. Nunca mais. A tua juventude fica e toda a invenção de beleza que te inventei. Vais-te embora, a vida chama-te. Olho-te onde estás, olho-te ainda uma vez. O rio espraiado ao longe reflectindo no céu imenso as duas colinas. Tudo é cansaço e amargura difícil. Nunca mais. Vais-te embora, saúdo-te com um gesto contido, deixo-te ali debruçada para o infinito. E para sempre aí ficarás para me visitares quando a vida for demais...
Led

2 comentários:

Snowflake disse...

... e o que foi nao volta a ser, mesmo que muito se queira...

estou na mesma frequencia.

bjs

Ledbetter disse...

Uma guitarra imensa, abrindo num acorde pelo céu...
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