quinta-feira, 5 de março de 2009

Perpétuo horizonte

Como explicar-te...Estar-se cheio, tenso, farto, às vezes no limite da loucura. Cintado da moral, da vigilância dos princípios, do acomodamento paternalista, do “parece mal” generalizado. E sobretudo, a constatação que esse conformismo deriva de um receio, de um medo incerto de se falhar com personalismo. Como explicar-te...Estamos predispostos antecipadamente a querer explicar tudo, evitando o descontrole do indecifrável. Esquecemos a própria significação da interrogação, cobrindo-a com a falácia urgente da resposta. Como as prescrições fáceis do vendedor da banha-da-cobra. Mas só as perguntas têm resposta. As interrogações não se resolvem e muito menos se controlam. Como explicar-te... Acomodados nos nossos bunkers de saber especializado e da utilidade prática, de costas voltadas para a essencialidade do incrível gratuito e excessivo que é o estarmos aqui. Corremos a solidão a pontapé como sarna. Preferimos o bulício da incorporação em manada. Esquecemos o indizível melancólico do tudo e que nos apela à sensibilidade mais profunda em proveito da segurança das palavras decoradas. Das palavras dos outros. Olvidámos o encantamento, a fina e profunda comoção. Falo dos candeeiros lôbregos, da estrada silenciosa, das luzes distantes, do vento que cresce, de um céu nublado, das vozes ocultas que se evolam, desta hora supensa de eternidade. De uma melancolia do fim. De um silêncio de abandono. Já o sentiste? Sem outros por ti? Prisioneiros dos convencionalismos do provisório. Semideuses iludidos de imortalidade. Estamos completamente desarmados de valores, já o pensaste profundamente? Respira-se a medo neste desterro movediço onde todos os mitos há muito se esvaíram. Agarramo-nos com afinco frenético ao que ainda parece seguro e portanto ao transitório mais material. Como explicar-te... Homens de acção. Homens superficiais. De couraça programática e mecânica. Circunscritos pelo acautelamento à desilusão. Mundo asséptico, individualista, frio, de plástico. Enfadonho. Tecnologia. Ciência. Questionamento de betão. Estruturalismo sintético. Morte da imaginação.

E uma vontade oculta de se rebentar com tudo. Ser-se livre, como quem já nada tem a arriscar. Só a liberdade absoluta é um perpétuo horizonte, para lá de todos os outros horizontes, que é o horizonte do impossível.

Como explicar-te...

Escrevo isto, e não sei (a)o que escrevo.

Led