sexta-feira, 28 de agosto de 2009

I will now contribute to the ongoing modern folklore and mythologizing of MBV

Ouço pela enésima vez o sublime Loveless dos My Bloody Valentine. A segunda versão do disco-compacto, por demasiado (ab)uso ter dado à primeira. Dada a frieza de todo um imenso trabalho de gravação das infinitas camadas de guitarra que percorrem todo o disco, seria de esperar um certo pretensiosismo, um tom artificial, uma falta de emotividade. Mas nada podia estar mais longe desta particular verdade. É esse o falso paradoxo: na música, a impressão de espontaneidade e de júbilo criativo imediato é normalmente produto de um longo e trabalhoso processo. Para voltar à “vida”, a música tem que esforçar-se – não é uma via directa, quanto mais natural. Assim o sugere este disco. O tom quase épico de quase todos os fragmentos de Loveless não se perde nos mil filtros de estúdio - é realçado, mantido, depurado. Não consigo deter o impulso e regresso aos EP’s. Glider, Tremolo, Feed Me With Your Kiss. E, por momentos, sou reconduzido ao concerto em Portimão. Por alturas do magnífico interlúdio da canção You Made Me Realize, que deu nome a um EP (o melhor de todos os 7) e que já tem mais de 20 anos. Inacreditável, agora que penso nisso. Fazer algo assim em 1988. Fica-se bloqueado de espanto comparando com o caminho percorrido pela música alternativa nas duas últimas décadas. O seu timbre distintivo perdura indemne numa vanguarda impalpável para qualquer congénere contemporâneo. Irá sempre escapar às regras, normas, catalogações e preceitos actuais por muitos que inventem. Ainda que agora seja tudo deliberado, a regra e esquadro, a designada música moderna. Experiências ilimitadas de fusão, de adaptação e de transformação de todos os fios que constituem largamente o tecido rock. Mas que soam inevitavelmente a quilos de mundanismo e que conduzem invariavelmente a um profundo suspiro de cansaço com mais audições. “You made me realize, what did you say you’d find”, acompanhávamos. Nós, os poucos e lúgubres abnegados. 17 minutos plenos de estática e distorção estrepitosa que nos levou a encostar os tampões maricas nos ouvidos. 25 a 30 minutos de duração noutros festivais, ouvi dizer - com menos de 1 minuto na canção contida no EP. Suspensão no abismo. Os cabelos arrepiados. Decibéis de electricidade lancinante pela alma invadindo. Kevin Shields disse um dia procurar a espiritualidade pelo som o mais alto possível. Mas não só isso. Seria preciso retirar as entranhas desse som e ressumar exclusivamente as superfícies. Extrair as vísceras da cútis sonora. As faces aéreas. As camadas vagas e despretensiosas. As múltiplas nuances levianas e partíveis. Os prismas imensos da chuva caótica de vidros que se abate sobre nós. Dissonâncias sinistras e ensimesmadas. Ecos reverberados mas igualmente ásperos de precisão. Que querem por tudo ser silêncio da iteração infinita. Mil floreados incertos e invisíveis a cobrir um manto de cacofonia estridulosa. E o gumezinho cortante na ponta. E a doçura vítrea, na outra. E a metafísica no dorso, se o transcendente diletante assim o desejar. Enche a mais vasta solidão com sincopada feminilidade. Agregado condensado de electricidade impetuosa que nos arrasta na voragem hipnótica. Feixes de melodia alicerçados em caboucos rítmicos sólidos e neutrais. Vibração estridente de corpos sonoros oscilando no túnel de vento frio e seco que desde à horas varre o recinto e nos sustém no ar. São múltiplos e complexos filamentos sonoros e luminosos caídos do vazio sem nada a aparar-lhes a intensidade. A “elevação espiritual”. Entendo-o de algum modo. Mas não o sei explicar. Há qualquer coisa de irresistível que irradia misticismo na nuvem eléctrica crepitante produzida pelos seus sons. Mas é preciso saber aguardar. É preciso saber escutar. Como se escuta o silêncio, por vezes. Ser paciente antes e para mergulhar no enlevo narcótico. Os pobres adolescentes tresmalhados que esticavam o dedo médio atrevido e agitavam lenços brancos esperando pela banalidade aflitiva de uns Offspring não alcançaram nada daquilo. Talvez nunca percebam porque são patologicamente precipitados e estão imersos numa cultura de facilitismo e imediatismo. O som. Talvez se dance, talvez se cante, talvez se salte. Não se veste. Não serve para nos fazer alegres. Tanto pode dar como não. Then come, come, come, E pela enésima vez me sinto a transbordar de mim. Kevin Shields deve ser profundamente crente. E tratar Deus por tu. Get the Hell Inside, You Can Close Your Eyes. You Made Me Realize.

Led

4 comentários:

nuno disse...

tàs de volta, matos?

nuno disse...

há dez anos atrás, os pobres adolescentes tresmalhados eram os mesmos de agora.
:)

olhar para os sapatos é rock.

Ledbetter disse...

Nuno, eu acredito sinceramente que a organização confundiu MBV com Bullet for My Valentine, só pode ser!! Ninguém minimamente informado colocaria uma banda deste calibre ensanduichada ente Offspring e...Tara “modafouca bacano” Perdida!!?? Que vergonha imensa....Sem exagero, 10-15% das pessoas no festival teriam mais de 25 anos. Muito, muito mau.

“Um lança-chamas na mão e tudo cessaria rapidamente”, só isto revoluteava pela minha mente. Não vi Offspring, fugi a tempo, estava com medo de estourar de tanto pensamento negativo.

Já me fizeste a cama?

Este blog, como os Delfins. Um interminável lamento de morte anunciada....Estarei sempre de volta para anunciar o fim em cada post!

Ledbetter disse...

Ah, o Kevin Shields tinha 48 pedais em palco. E aquelas 7 colunas do lado direito dele na foto? Tudo para ele. O fim do mundo, rapaz...seriamente...