Nunca morri de amores pelas manifestações dos principais sindicatos da função pública, reconheço. Sempre me irritou o clima provocatório e histérico desses ajuntamentos de “massas” e o impulso primário à manada. Porque sempre achei que entre isso e nós deveria haver uma distância razoável de reflexão e responsabilidade cívica, de alguma frieza mental. Mas a proliferação de manifestações deste género tem resultado numa banalização desta forma de intervenção que não deixa de ser perigosa, tal como no conto do Pastor e do Lobo. A disseminação de manifestações irresponsáveis com propósitos políticos de achincalhamento à falta de mais argumentos e a constante manipulação e apropriação dos instintos mais básicos e das frustrações mais profundas das pessoas menos informadas, reivindicando todos e quaisquer direitos e privilégios, assenta numa desfaçatez atroz. Ao menos que assumissem de vez que todas estas demonstrações simultâneas acusando o governo de asfixiamento democrático não são apenas fruto de uma casual coincidência de pretensões mas fruto de uma estratégia política bem delineada. Dos velhos esquemas e estratagemas de sempre. O que me ofende sobretudo é imbecilidade displicente, o desprezo e prepotência contra a nossa inteligência e capacidade de observação. Tudo o que importa aos líderes destes grupos (sempre os mesmos) é direccionarem politicamente os factos, retorcendo-os até ao absurdo e fazerem de nós estúpidos com eles. Quanto aos militantes, o seu problema não é o cinismo, mas o fenómeno que Sartre identificou como má-fé, isto é, um acreditar religioso e transcendente daquilo que não é facticamente. E depois existem os remanescentes desta linguagem que mostra como certos sectores da sociedade portuguesa continuam rendidos a trivialidades de salão e de salinha, não ganhou consciência crítica e continua a engolir tudo quanto lhe põem à frente mesmo depois do naufrágio comunista. Como o tipificado desabafo dos manifestantes de que o 25 de Abril não se chegou a materializar, como ouvi há pouco o Tim dos Xutos a propósito da morte de Adriano Correira de Oliveira. Nunca percebi bem onde que se quer chegar com este comentário, senão como mero devaneio lírico. Se o conceito dele de liberdade e democracia vem da utopia excepcional da condição de artista é desculpável. Se o conceito dele de “fazer Abril” está associado às ambições de um grupo político que se queria servir do País, que o ia lançando numa guerra civil, que promoveu nacionalizações vergonhosas, ocupações selvagens, que destruiu empresas, fez saneamentos persecutórios, ocupou jornais e rádios, tentou proibir a liberdade de imprensa e queria mandar os «fascistas» para o Campo Pequeno , então temos de facto um conceito altamente diferente de “liberdade”. Porque esta invocação de liberdade sempre reivindicada pelos grupos ligados ao PC é curiosamente coincidente com a do fascismo, atacar a liberdade pela defesa da liberdade. Por isso irrita-me o grau condescendência e o tabu ao criticismo a estes grupos políticos, de algum modo semelhante a uma certa invulnerabilidade religiosa, e que, trinta e três anos depois, continua a ser considerado como crime de lesa-pátria e uma despudorada declaração de «fascismo», sempre usando e abusando dos heróis (cada um tem os seus) de Abril como arrazoamento sagrado. E isto tudo para dizer, que sem deuses e demónios não há mesmo equilíbrio para o homem. Finda a religião ficámos esbarrados no dualismo “governo reaccionário capitalista e cobiçoso” e o “sindicalista trabalhador eternamente injustiçado” para nos aguentarmos de pé. Por onde se poderá abrir caminho? De tal modo que, ..chega. Vou jantar.
Led
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