quinta-feira, 25 de março de 2010

Bichos I

E será sempre assim no planeta dos homens destinados adultos. Nos momentos cruciais, se revelam os eternos imaturos e periclitantes, afinal. Caídas as escamas do amiguismo, desguarnecido o vínculo do imediatismo que nos insensibilizou longo tempo, o logro surge decalcado no obscuro e pernicioso de si, invisível no imediato das aparências. Mas o amiguismo não é amizade. É um espaço provisional de artificialismos ocos de estima que não comprometem a pessoa inteira mas apenas a fracção reservada aos períodos limitados onde têm de existir. O amiguismo é um calculismo enxuto de interesses e proveitos e por isso oscilante conforme as circunstâncias e necessidades. É uma forma elaborada de mediocridade e ausência de personalidade que consiste em abrir as entradas e as saídas de todo de si para projectar um diferente de si. É palavreado e cavalgadura sem nobreza para tal cavalo. Pura projecção de ganância recôndita. Vanglória animal com verniz de altruísmo e urbanidade. Não é um porto seguro. Muito menos revelador de algum tipo de afecto e bem-querer. E por isso a utilidade dos momentos decisivos e difíceis. Momentos em que as afecções genuínas são postas à prova no frio gume da navalha realista. Momentos em que o comprometimento é impreterível e necessário. Porque nos ajuda a ressumar o trigo abnegado do joio emulador. Porque nos ilumina os jogos intricados de aparência que distraídos, cessámos de ver, por tanto nos ofuscarem a vista. Porque nos aponta ao que devemos aconchegar firmemente na algibeira, como um diamante raro em valor e abundância. Fora do redil das conveniências, os artifícios desmontam-se bruscamente em estilhaços e pendericalhos acessórios e egoístas. E aí torna-se perceptível o insofismável do mal-querer-mal-disfarçado que sempre nos espreitará com o beiço azedo e o dente aguçado, num momento ou noutro. Mas o amiguismo não é amizade. Porque a amizade é uma concessão profunda e nós somos muito ciosos da nossa importância.

Led