terça-feira, 14 de julho de 2009

Pedagogia da culturalidade

Às vezes penso que na Universidade deveria haver qualquer coisa como um curso de cultura geral. Seria possível? Seria ao menos aproveitável? Dar ao estudante mimado consumista e indolente uma ideia aproximada do que se passa e passou em história, geografia, política, economia, filosofia, letras, ciência, música e o mais? Ao menos umas noções básicas de história e política, santa Atena! A consciência do que significa fazer parte de uma sociedade com uma narrativa particular ou talvez da importância capital dos escrutínios eleitorais. Talvez não. Com o calculismo carreirista actual, finda a estafa de memorização beluína, dar-se-ia um grande suspiro de alívio e atirar-se-iam os compêndios bolorentos de gente defunta para o sótão orgulhoso do desprezo e entorpecimento. O que acontece é que nem numa especialização há depois dela um verdadeiro interesse. Um curso qualquer não dá quase nunca, nem aos óptimos alunos, um interesse vivo e posterior pelas matérias estudadas. Rapidamente se passa do neutrão para o quark infinitesimal e se esquece o átomo longínquo. Quanto mais as matérias não-estudadas! Só interessa quando é fácil ou espectacularizado ou demora pouco tempo ou se retiram vantagens materiais desse saber. Gente descomplexada do tecnicismo dogmático. Concisos, expurgados, lacónicos. Encarcerados no seu nicho enviesado e orgulhosos da sua comuna especializada, diferenciada, distinta, particularizada, “geekzóide”. E depois a típica condescendência de esguelha por quem cria tempo por se interessar com o que se passa no resto do mundo. Decerto, são muitos os argumentos desculpabilizantes para a fraca versatilidade do saber do aluno actual. Mas pior que não saber é mesmo a soberba cavalgadura com se desculpa a ignorância e se entroniza a especialização e a vista curta. “Caprichos de quem tem a vida folgada”, atiram por vezes. E a razão deverá estar próxima desta, aprendendo-se a cartilha dos nossos direitos, mais difícil é aprender a cartilha dos nossos deveres culturais como cidadãos. A diferença é subtil mas crucial. Um curto tempo disponível não é o mesmo que uma curta disponibilidade para esse tempo. A cultura é o modo avançado de se estar no Mundo, ou seja a capacidade de se dialogar com ele. E isso é coisa cada vez mais rara hoje em dia. O que não é raro, porque é vulgar, é estar diante dele sem o mesmo pasmo do boi diante do palácio. Mas é tentadora a ruminância quando a ração é fraca.

Led

13 comentários:

nuno disse...

aqui, neste estranho país, há um exame de cultura geral no acesso à faculdade.

nuno disse...

não tenho cabeça para escrever mais. volto cà logo à tarde.

Zara disse...

aqui, neste estranho país, há um exame de cultura geral no acesso à RUC.

nuno disse...

isso quer dizer que a RUC é, no fundo, uma grande école de la radio ùlàlà que c'est chouette ça.

com tudo o que de bom e de mau daí advém.

nuno disse...

posso contar uma história sobre cultura geral, matos? deixas?

Jp disse...

A Cultura geral deve, tem de vir de antes dos anos universitários. Não digo todo o saber, porque muito se aprende por cá, se a tal estivermos dispostos. Mas as bases, as fundações têm de vir de trás. Não se fazem milagres, e não é uma cadeira de cultura geral que vai instruir um morango com açúcar. Seria só mais uma seca de uma cadeira.

Ledbetter disse...

Sou a favor de um exame semelhante em Portugal. Ter-me-ia feito um bem incalculável e talvez conseguisse perceber o Pacheco Pereira.
A RUC…ainda não é desta que irei tecer-lhe grandes elogios. Falar de cultura geral e meter a RUC no meio, hummm… algo aqui que não soa bem. Mas na teoria, acho bem.
Ahhh..as fundações e as bases. Acho que os jovens de hoje são suficientemente imaturos nos anos universitários para poderem aprender um pouco mais sobre o mundo. E não sendo uma cadeira obrigatória, também não vejo como se iria enfiar a papa na boca dos meninos.

Nuno, conta!

nuno disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
nuno disse...

conto,

um amigo duns amigos, daqueles gaijos que se sentam lá no fundo da mesa e que nunca descobres o nome, é vietnamita.
e para simplificar, comecei a referir-me a ele como charlie.

das dez pessoas que começaram a usar essa referência, todas na casa dos vintes, educadas, cultas, com cursos superiores acabados ou a acabar, viajadas, sabes quantas perceberam a referência cultural?

2.

e os dez fizeram o exame de cultura geral para entrarem na faculdade.

Jp disse...

Ou seja, o exame de cultura geral aí das franças foi escrito pelas mesmas pessoas que aqui escrevem os exames de secundário?

Já estou a ver:
Pergunta 1 - Em que país se pode ver a Mona Lisa?
Pergunta 2 - O Big Ben é: a) um dildo; b) um bolo; c)um relógio.

Coisas assim, imagino...

Ledbetter disse...

Também gosto de vinho

Ledbetter disse...

Um dia o Charlie parte a boca ao Viriato. Para simplificar...;)

Ledbetter disse...

Big Ben é mais nome de actor porno. Afro qualquer coisa...