Às vezes penso que na Universidade deveria haver qualquer coisa como um curso de cultura geral. Seria possível? Seria ao menos aproveitável? Dar ao estudante mimado consumista e indolente uma ideia aproximada do que se passa e passou em história, geografia, política, economia, filosofia, letras, ciência, música e o mais? Ao menos umas noções básicas de história e política, santa Atena! A consciência do que significa fazer parte de uma sociedade com uma narrativa particular ou talvez da importância capital dos escrutínios eleitorais. Talvez não. Com o calculismo carreirista actual, finda a estafa de memorização beluína, dar-se-ia um grande suspiro de alívio e atirar-se-iam os compêndios bolorentos de gente defunta para o sótão orgulhoso do desprezo e entorpecimento. O que acontece é que nem numa especialização há depois dela um verdadeiro interesse. Um curso qualquer não dá quase nunca, nem aos óptimos alunos, um interesse vivo e posterior pelas matérias estudadas. Rapidamente se passa do neutrão para o quark infinitesimal e se esquece o átomo longínquo. Quanto mais as matérias não-estudadas! Só interessa quando é fácil ou espectacularizado ou demora pouco tempo ou se retiram vantagens materiais desse saber. Gente descomplexada do tecnicismo dogmático. Concisos, expurgados, lacónicos. Encarcerados no seu nicho enviesado e orgulhosos da sua comuna especializada, diferenciada, distinta, particularizada, “geekzóide”. E depois a típica condescendência de esguelha por quem cria tempo por se interessar com o que se passa no resto do mundo. Decerto, são muitos os argumentos desculpabilizantes para a fraca versatilidade do saber do aluno actual. Mas pior que não saber é mesmo a soberba cavalgadura com se desculpa a ignorância e se entroniza a especialização e a vista curta. “Caprichos de quem tem a vida folgada”, atiram por vezes. E a razão deverá estar próxima desta, aprendendo-se a cartilha dos nossos direitos, mais difícil é aprender a cartilha dos nossos deveres culturais como cidadãos. A diferença é subtil mas crucial. Um curto tempo disponível não é o mesmo que uma curta disponibilidade para esse tempo. A cultura é o modo avançado de se estar no Mundo, ou seja a capacidade de se dialogar com ele. E isso é coisa cada vez mais rara hoje em dia. O que não é raro, porque é vulgar, é estar diante dele sem o mesmo pasmo do boi diante do palácio. Mas é tentadora a ruminância quando a ração é fraca.
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