Until eyes burn red, the heart of done hope And I’ve been long gone, couldn’t you tell The smoke in the air, couldn’t hide my shame So I let her born out silver screen Ohhhh... That full-bellied moon, just a-shining on me Ehhhh… And she pulls on this heart like she pulls on the sea
PS: Com algum atraso e na escassez de reserva mental para escrever algo mais digno devido à falta de tempo, fica a intenção simbólica. Mooncry, passo a bola para ti!
Que toda e qualquer conjuntura astronómica e conexão de forças divinas estejam convosco/connosco.
Nunca esquecer que a honra não é exclusivo dos grandes, porque ela não tem que ver com a extensão do poderio económico (apesar da proporção 1/40) mas com a extensão da alma que a preencheu. A alma do meu clube tem o tamanho do mundo. É um imenso orgulho ver-vos nessa caminhada mais uma vez, apesar de todas as más línguas depreciadoras deste meu pequeno país.
Corria a segunda metade do ano de 1993 quando pela primeira vez ouvi os acordes da canção “Once”, tema de abertura do álbum “Ten”, tema de abertura para o meu despertar definitivo para a música. O disco em vinil, casualmente ouvido em casa de um amigo que exibia vaidosamente os discos do irmão, era de facto especial. Se a minha memória não me atraiçoou, tratava-se de umas das edições especiais do álbum “Ten” que haviam saído em 1992 (o disco saiu pela primeira vez em 1991 nos US e em 1992 no Reino Unido) e que continha, além daqueles 11 temas intemporais que todos conhecemos, uma versão ao vivo em Seattle da “Alive” e dois lados-B do single com o mesmo nome: a acalmia melancólica e desamparada de uma “Wash” e um funk excêntrico e hilariante chamado “Dirty Frank” (a primeira canção gravada com o segundo baterista que passou pela banda, David Abbruzzese).
Dever-se-á sempre rememorar, quando se fazem revisitações desse tempo, que nessa altura não existia obviamente a obscenidade comodista dos mp3’s ou internet. Os cd’s estavam em início de difusão, e as K7’s e a rádio eram os meios mais habituais de contacto com a música. Era muito complexo conhecer música nova, a estratégia era agarrarmo-nos com um apego fiel ao que enxergávamos à vista curta evitando as odisseias culturais que implicavam descobrir novos tons no cenário a preto e branco. A música rock em Portugal era ainda um baldio solitário e inculto de influências exteriores. Ouvia-se o rock-rodriguinho de Sitiados, Xutos e Pontapés, Palma’s Gang ou UHF, lia-se a “Super Som” e a “Blitz” era ainda relativamente desconhecida pelas massas. Os míticos programas “Headbanger’s Ball” e “120 minutes” das MTV eram extravagâncias de castas. As bandas estrangeiras que mais êxitos faziam contavam-se pelo hard rock meloso de uns Guns N’ Roses ou Bon Jovi, sendo o resto contaminado pelo estertor efémero do pop comercial da altura, onde se contavam nomes como Michael Jackson, Madonna, Whitney Houston ou Celine Dion. Tendo 12 anos de doce vadiagem na altura, não era de admirar que o meu conhecimento musical fosse muito reduzido e a discografia circunscrita a uma dúzia de cassetes dos Gn’R, Metallica e AC-DC. Todo o pequeno contacto que tinha com a música se fazia a partir dos discos do meu irmão e só assim tomei leve conhecimento de bandas como Led Zeppelin, The Who, Neil Young ou Black Flag, que até pouco me disseram pela altura. É claro que já me arrependi de todos aqueles decibéis de Axl Rose que consumi. É claro que já não gosto especialmente de nenhuma das poucas bandas das quais disse gostar muito, e que vim a apreciar todas as outras que jurei desprezar até à morte. E é claro que deve juntar-se este exagero a todos os outros que cometi anos mais tarde e até ao presente dia; às contradições, às inverdades, às precipitações, aos erros e excessos, às omissões e rotulagens que para toda a vida me hão-de afligir e fazer ruborizar.
É certo que a revolução trazida pelo “Nevermind” já se fazia sentir por todo o mundo civilizado desde há ano e meio e eu próprio já abanava a cabeça ao som da "Territorial Pissings" em casa de um outro amigo a quem lhe haviam oferecido o tão badalado disco do bebé mergulhando na direcção de uma nota de um dólar. É certo que inclusive os Pearl Jam já haviam tocado algumas datas em terreno Europeu em 1992 (Londres, Manchester, Estocolmo, Oslo, Copenhaga, Paris, Amesterdão - Pinkpopfestival, Madrid e Milão). Mas em Portugal, fatal como o nosso atraso histórico de brandos costumes, tudo permanecia numa obtusa modorra e todos os revolvimentos alienígenas culturais demoravam 1-2 anos a provocar efeitos. Era também o tempo do segundo mandato absoluto de Cavaco Silva, dos tempos das torrentes de subsídios da CEE para os agricultores, dos tempos da construção massiva de auto-estradas do norte a sul do país e das reformas da função pública que também conduziram a muitos dos problemas com que nos debelamos presentemente. Esse era o país de então, no encalço dos muito remotos índices europeus e de todo um tempo esbanjado em insuficiência funcional genérica.
Nessa tarde do Outono de 1993 voltei então para casa trauteando excertos imperceptíveis das canções de uma banda que desconhecia até então. Nos dias que se lhe seguiram, consegui finalmente que o tal amigo (desculpa novamente a indiscrição, Viegas) me gravasse o disco numa cassete Sony HF de 90 minutos (prodigioso mundo da tecnologia) de modo a que ambos os lados do vinil fossem incluídos. A minha semanada não dava para cd’s e só no natal subsequente arranjei finalmente um rádio-gravador Sony com deck de k7’s e leitor de cd’s que mudou para sempre a minha vida. O meu primeiro CD foi o “Who Made Who” dos AC-DC, comprado anteriormente ao rádio gravador simplesmente porque gostei da capa com o Angus Young de guitarra em punho entre 4 colunas templárias. Mas poucos da minha geração verdadeiramente compravam CD’s na altura, toda a divulgação se movimentava com recurso às k7’s. E assim se explica que o meu primeiro CD de Pearl Jam não tenha sido o “Ten” mas sim o “VS”e apenas em 1994. Só realmente a partir daí iniciei a jornada de adesão ao clube de fãs e compilação de tudo o que havia de PJ, oficial ou pirateado, que conduziu à colectânea actual que gosto de ostentar com vaidade de mais de 200 cd’s e alguns vinis. Mas o “Ten” (e também o “Nevermind”, dos Nirvana, “Dirt”, dos Alice in Chains, “Badmotorfinger, dos Soundgarden e “Siamese Dream”, dos Smashing Pumpkins) será sempre o marco simbólico mais importante e que decidiu definitvamente o meu interesse pela música e que me levou, por exemplo, a aprender a tocar guitarra.
O encanto principal do disco e mesmo dos Pearl Jam não é o virtuosismo, ou talvez o tecnicismo da música – é, sobretudo, uma inesquecível sinceridade, despida de efeitos especiais, que se transmite, dir-se-ia por osmose sensível, a quem a ela se expõe. O álbum desperta para a vida com uma introdução mística que mais tarde veio a ser designada de “Master/Slave” – uma peça ambiental que interligava uma percussão tribal, um baixo ondulado e acordes assombrados de uma guitarra penetrante, com um Eddie longinquamente audível gemendo como um louco – antes de confundir as expectativas dos ouvintes com uma reviravolta agreste e estilística para a “Once”, uma faixa inquieta construída em volta de um ritmo estonteante de Krusen, de um riff frenético do Stone e um refrão que mimetizava as ondas colidindo com uma escarpa, com um Eddie gutural narrando a descensão vertiginosa do seu protagonista para a insânia. “Even Flow” é toda “upbeat”, grandiosa e empolgante, inesperadamente sobreposta à visão particular do Eddie em relação à exclusão da sociedade para com os sem-abrigo. De um modo similar, “Alive” associava uma melodia serena e esplendidamente construída com um conto negro de decepção, perda e luto. A entrada propulsiva de um espesso baixo na “Why Go” dispersava-se na lavagem sónica resultante de um ritmo serrado de guitarra e de um super-carregado pedal de wah-wah, enquanto o Eddie fremia a sua saga da batalha de uma adolescente pela independência enquanto os seus pais desinteressados a condenavam a uma instituição. A “Why Go” dá passagem ao intenso hino ao amor não-correspondido chamado “Black”, um dos momentos mais intensos do “Ten”. Logo a seguir, “Jeremy”, uma das canções menos inventivas musicalmente – de acordo com Jeff, o seu criador, a canção por pouco não fez parte da lista final a editar – mas crepitava de electricidade após os acabamentos com um assombroso violoncelo, renovados vocais secundários e, especialmente, a letra do Eddie. A primeira canção que iria realmente concentrar a atenção das massas para a banda, “Jeremy” foi inspirada num artigo do jornal que tinha prendido a atenção do vocalista uns meses antes. O verdadeiro “Jeremy” era Jeremy Wade Delle, um adolescente solitário e alienado de 16 anos de uma pequena localidade do Texas, que levou a pistola do seu pai para a escola e se suicidou em frente de uma apavorada professora de Inglês (há coisas que nunca mudam). Posteriormente o Eddie chegou a comentar que tinha sido marcado por um caso parecido quando um colega seu na escola levou a pistola para as aulas, que só por acaso não terminou da mesma maneira. Após a “Jeremy”, vinha a “Oceans” – uma canção baseada no tema doce-triste do adeus -, uma canção suave e etérea, os seus rumorejos esparsos, a badalada suave das guitarras, e vocais aéreos recriando uma brisa fresca marinha num dia tempestuoso. O Eddie chegou a acrescentar no "unplugged" de 1992 que esta se tratava de uma música de amor pela sua prancha de surf. Dado o carácter subjectivo da letra, a dúvida permanecerá e ainda bem, porque eu prezo a imaginação. “Porch”, destinada a tema “mosh” de eleição, agregava o torvelinho de uns “blues” sujos da guitarra de Mike com a explosão de uma guitarra ritmo atordoada e vocais acelerados e exigentes. “Garden” era meditativa e terrena, uma demanda por claridade num mundo urbano-depressivo que é qualificado de “garden of stone”, canção que termina com o solo límpido e dilacerante do Mike. A “Deep” é violenta, o seu riff catártico inicial dá origem a um enganador verso apaziguado mas logo depois acelera para o caos controlado mais uma vez, com os gritos torturados do Eddie reflectindo cada mergulho e cada desvio melódico. O disco termina suavemente com a frágil e sincera “Release”, a oração de Eddie na sombra do pai que não conheceu e a prossecução ao tema ambiental inicial “Master/Slave”, 20 segundos após o final “oficial” do álbum.
Em comparação com outros álbuns de estreia, “Ten” era invulgarmente intimista, puxando o ouvinte através de um complexo conjunto de emoções transferidas de letras construídas à volta de peculiaridades, tragédias e epifanias espirituais da realidade do dia-a-dia além da cumplicidade entre as harmonias transcendentes do Stone e o trabalho intricado de guitarra lead do Mike. A emoção é levemente melodramática em “Ten”, reflectindo um álbum feito por jovens para ser sentido por outros jovens. Ao contrário de “Nevermind”, por exemplo, a música do “Ten” aproxima-se mais dos padrões eternos do rock (devendo mais a The Who, Neil Young, Led Zeppelin, Mudhoney, Soundgarden, Green River ou Mother Love Bone enquanto Nirvana devia a Sonic Youth, Melvins, Pixies, The Vaselines ou Leadbelly) mas não deixa ainda hoje de ser indefinível. De comum com os dois discos, a inevitável força transgressora de velhos hábitos. A rotulagem “grunge” que lhe adveio durante os quilos e quilos de linguados à música de Seattle por parte da imprensa foi vergonhosa e redutora mas a própria banda (e todas as da altura) não deixa de ser responsável pelo estado insidioso de idolatria e marketing a que chegaram as coisas (felizmente para nós soube posteriormente gerir a exposição com uma política rigorosa de blackout, ao contrário dos Nirvana). É público que os membros da banda não ficaram muito satisfeitos com o produto final misturado por Tim Palmer devido ao excesso de “reverb” e “overdubbing” de guitarra, sendo essa até umas das razões porque pediram a Brendan O’Brien para fazer uma nova remistura do álbum que se encontra na edição especial. Mas são essas características que tornam o som de “Ten” único na discografia da banda. Além de que o cunho distintivo deste disco, tal como o foi com “Nevermind” ou “Siamese Dream”, é mesmo a impressionante fluidez e naturalidade com que os temas se procedem, quase dando a sensação de um único tema dividido em várias parcelas. A música em “Ten” é feroz em melodia e ritmo, visceral e instintiva, combinando solos sem acanhamento com canções de acordes elementares. A voz de Eddie é um ribombar profundo impossivelmente triste ou alegre, como o uivo de um animal mortalmente ferido por vezes, cantando com uma enorme solidão, com amor, sonhos, magia, alegria, convicção, com drama, ira, angústia, raiva, muita raiva. Mas focalizada, sem nunca se perder. Com aquilo a que não estávamos de modo nenhum habituados: com alma. Música empolgante, grandiosa, espiritual, embasbacante - que proíbe a retirada, o voltar as costas, ou ir embora para o agasalho garantido da música ligeira.
Em nossa defesa, nós, os que exagerámos na idolatria, apenas tenho toda a música dos Pearl Jam. Segui-lhes as modas, manias e trejeitos, opondo-me ou apoiando-as conforme as minhas, sempre com toda a (alta) fidelidade e adoração, e com toda a (baixa) infidelidade e repulsa, que são, em princípio e afinal, os principais factores de encanto da banda que me perseguiu e que eu, perseguido, segui.
O “Ten” é apenas um dos meus 8 álbuns favoritos dos Pearl Jam. Sem dúvida o mais marcante (quase in exequo com o "Vs"). Por isto esta justa homenagem aos seus 18 anos em forma de testamento. O disco mostrou que são poucas as bandas que, como se propositadamente procurassem mostrar a suprema incoerência e trivialidade da música rock, lhe deram alguma coerência e importância. São as bandas que alcançaram a eternidade. A edição especial aí está para o demonstrar.
E agora? Venha o futuro, porque o resto pertence à História.
Pearl Jam - Even Flow/Why Go (live Pinkpop festival, Netherlands, 08-06-1992)