“Não saí de Timor-Leste.
E cá estarei apesar desta guerra de nervos. Todos os dias somos bombardeados por uma campanha sistemática que tem como único objectivo derrubar o primeiro-ministro.
Para nós, portugueses, praticamente que o nosso dia-a-dia é o mesmo. Mas as tragédias pessoais das famílias timorenses são assustadoras.
Vale tudo. Os boatos iniciais que resultaram no pânico colectivo da população, e que a levou a abandonar a capital, tentando parar todas as instituições; às declarações diárias do Ramos-Horta a manifestar a sua disponibilidade de ser Califa no lugar do Califa, vendendo o seu país aos invasores; os ataques dos governantes australianos ao governo; as manobras de certo corpo diplomático; as tentativas de virar os orgãos de soberania uns contra os outros; o apoio e a passividade das tropas australianas com os desertores e afins; os títulos da imprensa australiana; e as recentes provocações à Fretilin para que isto se transforme numa guerra civil. Enfim, vale tudo para desestabilizar e dar ao mundo uma imagem da necessidade de derrubar um governo que enfrenta os objectivos da Austrália na região.Mas uma coisa é certa. A única pedra no sapato, o único obstáculo entre a ocupação de Timor-Leste pela Austrália, tem sido a imprensa portuguesa e o Governo português. Patriotismos exarcebados ou não, é aqui que se tem feito resistência a um invasor arrogante e sem escrúpulos..
Fora de Díli, excepto nas vilas onde estão os ex-militares sustentados pelos militares australianos, as instituições funcionam, a polícia existe e a vida parece a mesma como há dois meses atrás.
Assisti à tentativa da missão da UN em evacuar todos os internacionais que apoiam os orgãos de soberania de forma a parar o país. Assisti ao Ramos-Horta a ajudar os objectivos australianos numa campanha de auto-promoção ridícula, esperando eu ainda, que o esteja a fazer acreditando que é o melhor para o país. Assisti incrédula à passividade das tropas australianas ao lado de jovens que incendiavam e que disparavam, assisti aos apelos desesperados de outros para os defenderem. Assisti ao alegre convívio entre militares americanos e australianos, e os desertores. Assisti aos pedidos de governantes ao comando australiano para que parasse a violência e defendesse a população sem qualquer efeito. Assisti à tentativa do comando australiano em neutralizar capacidade que a GNR tem de acabar com os distúrbios nas ruas de Díli. Assisti a muitos timorenses corajosos ficarem nos seus postos, onde agora vivem, por lhes terem sido destruídas as casa e tudo o que tinham. Mas também assisti à resistência de muitos funcionários da UN e de outras instituições, na maior parte portugueses e brasileiros, que ficaram mesmo ameaçados que os seus contratos acabassem. Assisti a muitos portugueses que no meio dos confrontos foram buscar amigos timorenses e os seus familiares, debaixo de fogo, já com uma presença de mais de 1.500 militares australianos que nada, nada fazem para evitar a violência.
Assisti a outros que tudo fizeram para mostrar ao mundo que estávamos à beira de um golpe de estado. Outros que conseguiram travar a intriga entre o PR e o PM e que ajudaram a que se entendessem. Assisti também, aos esforços de dirigentes da Fretilin em travar militantes desesperados que queriam vir defender o PM, que quer queiram quer quer não, foi eleito com larga maioria, e cujo partido há poucos meses, nas eleições locais, voltou a demonstrar que representa a maioria dos eleitores, com larga margem.E assisto todos os dias ao empenho de muitos timorenses, portugueses e brasileiros, para que os orgãos de soberania, não deixem de funcionar como seria tanto do agrado do governo australiano que levou o país ao caos, sustentando e manipulando todos os grupos insatisfeitos que encontraram.Exaustos, uns dias mais difíceis, outros com mais esperança. Fazemos tudo o que está ao nosso alcance para que a situação volte ao normal e que o país funcione.
Como sabe não votei no partido do Governo que elegeu o primeiro-ministro de Portugal. Nem alguma vez simpatizei politicamente com o nosso MNE. Mas, aqui em Timor-Leste, em Camberra e em Nova Iorque, fez a diferença. Houve alguém no Palácio das Necessidades que se deu ao trabalho de reagir a tempo. Que nos ouviu. Que fez o que tinha que fazer. E que não escolheu o caminho mais fácil que seria o de abandonar os nossos aliados. Como sabe, tanto se me dá o nome do país que consta no meu passaporte, não ponho bandeiras de Portugal à janela e nem sequer aí vou passar férias.Mas o governo do meu país tomou a decisão correcta e está a ter sucesso.E se alguém não compreende que, apesar de estrangeiros, nos sentimos em casa e que adoramos viver neste país, I couldn't care less. Os timorenses compreendem. Ao lado deles resistimos, mesmo que alguém não nos considere politicamente correctos.
(M.) "
In Abrupto
“De um lado uma pequena força de paz, solidária com as autoridades legítimas do povo de Timor; do outro, um exército de ocupação protector de militares insurrectos e dos negócios do petróleo. Golias contra David.”
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